Nascemos para fazer coisas maravilhosas, para transformar o mundo em algo melhor.
-
O hospital estava um caos, Rogério. Os pacientes não paravam de chegar, mas as
tuas ordens acabaram por aligeirar a agitação. Agora já só estamos a aceitar os
casos de extrema gravidade. Trouxe-te uma bica e a tua nata predileta, mas se
quiseres, tragou-te outra coisa?
Madalena
sabe que o marido não descansa desde as cinco e meia da manhã do dia anterior.
Não consegue dormir, e mal descansa. Atormenta-se demasiado com os doentes. Às
vezes, é tarde demais para se conseguir salvar uma vida, às vezes é tarde
demais, e não se consegue curar toda a gente. A saúde é cada vez mais um
negócio, um grande negócio.
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Estás-me a ouvir, Rogério? Acabei de escutar a ministra na rádio a dizer que a
epidemia não é tão grave como inicialmente se suspeitava, e as previsões acerca
do surto até melhoraram. O certo é que há sempre alguém a lucrar com estes
alarmismos, e são quase sempre os mesmos do costume. Os laboratórios deviam ter
milhões de vacinas em stock que simplesmente tinham de ser despachadas.
Rogério
está tão cansado que mal consegue alimentar a conversa.
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Sim, obrigado, está bem assim. E bem que estávamos necessitados de alguma
acalmia. Já não era sem tempo.
Os
olhos estão abertos, os olhos estão fechados.
Uma
vez a doença espalhada, a vida fica suspensa, até acabar, até melhorar. Tirá-la
do corpo, derrotá-la antes que nos vença, tão perto e contudo tão longe. Nada
nem ninguém consegue derrotar o poder da morte, apenas adiá-la, esse é o único
plano possível.
Promessas,
um médico promete, o doente acredita ou faz por acreditar, é a esperança que
prevalece, não as palavras.
O
que farias para poder vencer essa maldita doença, poder adiar a morte uma, e
outra vez?
-
Está tudo bem, doutor, eu sei. É inoperável. Não se preocupe, o senhor não ia
acreditar se eu lhe dissesse o que consigo ver neste momento. – explicou-lhe
uma vez um paciente. - Todos estamos destinados a fazer aquilo para o qual
nascemos. Fazer coisas maravilhosas. Transformar o mundo num lugar melhor, e nunca
nos esquecermos de onde viemos, para que nunca nos esqueçamos para onde iremos
regressar.
-
Rogério, Rogério, acorda, voltaste a adormecer! Vou eu buscar os miúdos.
Estavas a dormir sentado na cadeira. Há quantas horas estás tu sem ir à cama?
-
Não sei, Madalena, não faço a mínima ideia. Sabes, estou a ficar cada vez mais convencido
com aquela tua proposta. Devíamos mesmo sair daqui durante uns tempos, acho que
era isso mesmo que nós devíamos de fazer.
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