Rui
chega ao café-restaurante alguns minutos antes da uma, e este já se encontra
cheio.
O
escritor viveu numa semana a vida inteira.
Os
campos por onde andara estavam carregados com as memórias da guerra, as piores
de todas as memórias e de todas as guerras.
Nos
seus ouvidos ecoava um apelo insistente: - Volta… Volta para mim!
-
Eras tu, Helen, era a tua voz que eu escutava a pedires-me que voltasse.
Estiveste sempre presente naqueles momentos terríveis… Estavas à minha espera e
eu tinha de regressar.
Era apenas nisto que
eu pensava enquanto corria depressa, na escuridão, em direção à floresta.
Regressar, não em sonho, não em promessa. Regressar, de verdade. Só isso passou
a importar e tudo me dispus a fazer para o conseguir. Entrei no comboio com
muitos outros companheiros de infortúnio pouco depois das sete da manhã. Tal
como planeado, saltei quando chegou o momento. Outros dois camaradas que seguiam
comigo na mesma carruagem fizeram como eu, e resolveram arriscar. Seguimos
direções opostas para dificultar a tarefa aos militares. Assim seria um
pouco mais difícil encontrarem-nos. Estava um frio de morte, mas a floresta era
bem mais acolhedora do que qualquer campo nazi. Dos camaradas que seguiam no
comboio, muitos não chegarão vivos a Auschwitz.
Ninguém está preparado para os horrores da guerra,
ninguém.
O
comboio parou poucos quilómetros depois dele ter saltado.
Manter-se
aquecido era praticamente impossível. Trazia consigo guardada uma pequena caixa
com nove fósforos, mas não os podia acender, não agora. A imagem da sua Helen
aquecia-o, como se estivesse a viver o mais belo dos sonhos. O calor das suas
palavras e a força do seu amor pediam-lhe que regressasse ao mesmo tempo que o
apertava contra si no mais envolvente dos abraços.
Um
longo beijo selou as suas vontades.
Deixou
de sentir o frio. Sentiu-se amado e protegido.
Escutou
ao longe os cães que não paravam de ladrar e vários tiros. Deviam ter
encontrado os seus camaradas de fuga.
-
Estiveste sempre comigo, Helen. Nem a magia da música de Debussy teria sido
mais doce e reconfortante do que os sons divinais da melodia que me chegava e
que tu tocavas tão maravilhosamente. Devolveste-me
as lembranças mais belas da vida, e foi isso que me deu coragem, que me reconfortou
e acalmou. Amo-te, meu amor. Tenho medo. Só devia existir amor, Helen, o
nosso amor. Quantas vidas mais irão ser ceifadas antes que a guerra termine,
antes que se ponha um fim a este holocausto?
Depois,
sem saber como, acabei por adormecer profundamente.
-
Volta, volta para mim – repetias – Também eu preciso que me venhas salvar. Tens
de conseguir, por mim e para que a tua história possa ser contada. É assim que
deve acontecer.
O
comboio voltou a partir, ou pelo menos assim o imaginei. A linha da morte
transportou os meus companheiros para o campo de extermínio.
Para
eles a obra não terá um final feliz.
Não
existirão passeios de mãos dadas pela praia, nem beijos, nem abraços, nenhuma
esperança.
Ali
é o seu lugar, aquela é a época das suas cidades.
Aquele
é o tempo verdadeiro das suas vidas, e ninguém invisível os virá resgatar.
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