domingo, 12 de janeiro de 2014

O TEMPO DAS NOSSAS VIDAS



Rui chega ao café-restaurante alguns minutos antes da uma, e este já se encontra cheio.
O escritor viveu numa semana a vida inteira.
Os campos por onde andara estavam carregados com as memórias da guerra, as piores de todas as memórias e de todas as guerras.
Nos seus ouvidos ecoava um apelo insistente: - Volta… Volta para mim!
- Eras tu, Helen, era a tua voz que eu escutava a pedires-me que voltasse. Estiveste sempre presente naqueles momentos terríveis… Estavas à minha espera e eu tinha de regressar.
Era apenas nisto que eu pensava enquanto corria depressa, na escuridão, em direção à floresta. Regressar, não em sonho, não em promessa. Regressar, de verdade. Só isso passou a importar e tudo me dispus a fazer para o conseguir. Entrei no comboio com muitos outros companheiros de infortúnio pouco depois das sete da manhã. Tal como planeado, saltei quando chegou o momento. Outros dois camaradas que seguiam comigo na mesma carruagem fizeram como eu, e resolveram arriscar. Seguimos direções opostas para dificultar a tarefa aos militares. Assim seria um pouco mais difícil encontrarem-nos. Estava um frio de morte, mas a floresta era bem mais acolhedora do que qualquer campo nazi. Dos camaradas que seguiam no comboio, muitos não chegarão vivos a Auschwitz.
Ninguém está preparado para os horrores da guerra, ninguém.

O comboio parou poucos quilómetros depois dele ter saltado.
Manter-se aquecido era praticamente impossível. Trazia consigo guardada uma pequena caixa com nove fósforos, mas não os podia acender, não agora. A imagem da sua Helen aquecia-o, como se estivesse a viver o mais belo dos sonhos. O calor das suas palavras e a força do seu amor pediam-lhe que regressasse ao mesmo tempo que o apertava contra si no mais envolvente dos abraços.
Um longo beijo selou as suas vontades.
Deixou de sentir o frio. Sentiu-se amado e protegido.
Escutou ao longe os cães que não paravam de ladrar e vários tiros. Deviam ter encontrado os seus camaradas de fuga.
- Estiveste sempre comigo, Helen. Nem a magia da música de Debussy teria sido mais doce e reconfortante do que os sons divinais da melodia que me chegava e que tu tocavas tão maravilhosamente. Devolveste-me as lembranças mais belas da vida, e foi isso que me deu coragem, que me reconfortou e acalmou. Amo-te, meu amor. Tenho medo. Só devia existir amor, Helen, o nosso amor. Quantas vidas mais irão ser ceifadas antes que a guerra termine, antes que se ponha um fim a este holocausto?
Depois, sem saber como, acabei por adormecer profundamente.
- Volta, volta para mim – repetias – Também eu preciso que me venhas salvar. Tens de conseguir, por mim e para que a tua história possa ser contada. É assim que deve acontecer.
O comboio voltou a partir, ou pelo menos assim o imaginei. A linha da morte transportou os meus companheiros para o campo de extermínio.
Para eles a obra não terá um final feliz.
Não existirão passeios de mãos dadas pela praia, nem beijos, nem abraços, nenhuma esperança.
Ali é o seu lugar, aquela é a época das suas cidades.
Aquele é o tempo verdadeiro das suas vidas, e ninguém invisível os virá resgatar.

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