quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O PESO DAS PALAVRAS



- Por vezes questiono-me porque escrevo. Não fiques a pensar que me é fácil encontrar o tempo correto para descobrir as palavras que me levam às histórias. Ser-me-ia mais benéfico não estar sujeito aos prazos que a editora me impõe. A pressão tem estado presente nos últimos tempos e tem causado muita perturbação ao meu processo criativo como uma incómoda espectadora invisível. É como te digo, Lopes, ser-me-ia bem mais fácil escrever só por escrever, como acontecia no início, em que o fazia por sentir necessidade, porque o corpo e a alma me pediam. O primeiro encontro com as personagens é uma experiência única e inexplicável. Vindas do nada, começam a ser, a fazer, a respirar, a viajar, mas é como se eu sempre as tivesse conhecido. Todas tão diferentes, com histórias tão distintas, mas sou incapaz de me imaginar sem a sua presença. Sinto-me o elemento unificador dessas diferenças, elas são eu, e eu pertenço-lhes. Só agora, passados estes anos dedicados à escrita, o comecei verdadeiramente a assimilar. Vês, o que é que eu te disse?  Como seria possível eu estar aqui sem as minhas histórias? Essa é que é essa, companheiro Lopes. Se eu não me tivesse aventurado pelas artes da escrita, provavelmente, não teria sobrevivido. É dessa necessidade primária que eu sinto mais falta. Os primeiros romances ajudaram-me a enfrentar as minhas querelas interiores, e as personagens que neles nasceram ajudaram-me a resistir, e eu compreendi. Mantiveram-me vivo! Cada palavra era um sopro, um respirar, e com elas me fui aguentando, dia após dia. De repente, fiquei com uma vontade imensa de descobrir o que teriam para me contar. Enquanto dormia, invadiam-me os sonhos, visitavam-me e explicavam-me como era o mundo onde viviam. Ao acordar, recordava esses poemas e acrescentava-os aos enredos. Jamais imaginei escrever para vender, e tu és testemunha disso, Lopes, sabes melhor do que ninguém o tempo que foi preciso para me convenceres a lançar a minha primeira obra. E qual de nós suspeitaria que tantos as admirassem, como acabou por acontecer? Não se devem apressar as palavras, elas não obedecem aos caprichos do tempo. O contrato acabou por transformar o meu prazer, esta minha maneira de respirar, em algo penoso e frustrante. Fiquei sem ar, estive quase dois meses sem conseguir escrever uma única palavra, lembras-te Lopes, dois meses quase inteirinhos. É obra! Consegues imaginar alguém que sobreviva tanto tempo sem respirar? Era o que eu sentia ao não escrever. Mas as palavras teimavam em não acontecer, e eu a apagar-me com elas, a afastar-me, a desaparecer deste universo, sempre cada dia mais um pouco, ao seu alucinado ritmo de expansão. Retirei-me para conseguir reequilibrar os ritmos de vida, reaprender a olhar e a escutar para melhor sentir. Fazes ideia de como se consegue equilibrar um ser humano ao atrever-se a dar os primeiros passos? Essa alegria da descoberta é-me proporcionada sempre que decifro uma nova palavra, e como a aprecio! Enquanto elas me continuarem a contar as histórias que eu vou registando, sentir-me-ei maravilhado como imagino só ser possível quando experimentamos caminhar pela primeira vez. Escrever é um ato natural, caso contrário não acontece, e se não acontecer, eu não existo! Entendes, Lopes? Porra, estou a ser um verdadeiro chato, e tu estás para aí calado sem me dizer nada, caramba. Vou mas é calar-me antes que as febras arrefeçam.
O Lopes sorri, está visivelmente agradado com a dissertação do amigo escritor. Que sentido teria a vida sem poetas? Os outros, aqueles que se limitam a caminhar, necessitam de almas assim para lhes amenizarem o peso das rotinas e deceções. Que possam sempre continuar a existir poetas capazes de transformar as palavras em sonhos, em histórias e pensamentos.
- Longa vida, Rui, uma longa e criativa vida é tudo aquilo que eu te desejo, homem! Do fundo do coração. Fazes falta a muita gente, companheiro, tu e as tuas palavras são bem mais importantes do que aquilo que possas imaginar.

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