segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A RAZÃO DA EXISTÊNCIA



Num minuto estamos no topo do mundo, no seguinte, a beleza esmorece e a juventude desaparece como se nunca tivesse existido.
O que é feito dessa outra vida?
E o que resta, depois? O que fazer com esta vida que nos é revelada?
Tudo deixou de fazer sentido.
Maldição! Os fantasmas passaram a atormentar-me, tudo se transforma e complica, as recordações magoam-me, e custa-me respirar.
Tudo é tão irreal.
Tudo ressoa, as conversas são rugidos pesarosos, e nada, absolutamente nada faz sentido. Todos os que falam não sabem o que dizer.
Por alguma estranha razão torna-se mais fácil dialogar com desconhecidos e confessar-lhes todas as minhas angústias e segredos.
Ninguém casado é verdadeiramente feliz, como eu própria comprovei. Cabrão do Afonso, estúpido de merda! Por culpa desse filho da mãe quase ia acabando com a minha vida. Se não fosse o Tiago, ai se não fosse pelo meu Tiago, eu não estaria aqui.
Tudo desvanece.
Tudo termina.
Como foi ele capaz de o fazer?
Será que a ama? Será que a ama e a deseja como me amou e desejou? Será que lhe disse as mesmas palavras com que me arrebatou?
Morreu!
Para mim está morto, e eu que quase cometi uma loucura…
Que herança terrível e injusta teria deixado ao Tiago se o tivesse feito.
Só queria um pouco de paz… que todos me deixassem em paz, ao menos, por uma vez na vida.
Sinais, em sítios improváveis descubro sinais. Sinais por toda a parte.
Que irónica está a ser esta manhã.
Tentar, é só o que me resta, tentar seguir em frente, um dia de cada vez, sem receio do amanhã.
Merda de vida! Que merda de vida a minha…
O corpo pesa-me, pesa mais do que o habitual, pesa mais que os oceanos e o céu, pesa mais do que tudo aquilo que existe.

Daniel coloca a cabeça no ombro de Sofia
Daniel afaga-lhe as costas.

Só desejava conseguir voltar a ser aquela Sofia que eu tão bem conheço e que sabe exatamente o que fazer.
Preciso de ir buscar o Tiago à escola o quanto antes.

Moçambique, e a Beira, estão bem longe.
O passado está tão longe.
A doença levou o pai de Madalena cedo demais.
As recordações do Grande Hotel em que os dois voavam pela pista de dança no meio daqueles sorrisos, e o mar, sempre o mar ali bem perto.
Madalena nunca mais esqueceu as palavras do pai naquele dia:
- Princesa, minha princesa, vais ser médica, vais ser uma médica importante. Serás tu quem vai descobrir a cura para o cancro, escuta bem o que te digo. E morre depois de mim. Faz-me o favor de viver uma vida longa. Faças o que fizeres, não te esqueças, morre depois de mim!

Daniel coloca a cabeça no ombro de Madalena.
Daniel afaga-lhe as costas.

Quando foi o funeral, veio gente de todo o lado.
A igreja era a mais branca de todas as igrejas.
A tia só disse barbaridades o tempo todo, e não se calava. Os medicamentos, ao invés de a acalmarem, saltaram-lhe a língua, e o calor era insuportável.
- As mulheres só são belas quando novas. – gritava, a chorar, a tia Gisela, enquanto olhava as fotografias que ela e a mãe iam recordando.
Choravam lágrimas genuínas de quem tinha perdido um grande amigo.
Madalena só consegue recordar aquela dança, e as palavras do pai quando lhe deu a triste notícia.
- Escuta o que te digo, minha princesa, Faz-me o favor de viver uma vida longa e extraordinária!
A mãe passeava a fotografia do casamento pelo velório, com um ar pálido e abatido. Abandonada numa casa tão grande, cedo demais, com filhos demais, começou a dizer palavras sem sentido, alto demais. Estava zangada, ofendida com o mundo e com Deus.
Madalena sentiu um medo genuíno de todos os que estavam presentes no velório, e das conversas, sentiu pavor.
Ninguém conseguia enganar a mãe, esconder-lhe fosse o que fosse. Ela sabia que de todas as filhas, Madalena era a preferida do pai. Sempre foi assim, desde o dia em que ela nasceu, e ninguém o conhecia como ela, ninguém.
A mãe caiu na cama, e dormiu mais de um dia.
Ao acordar deixou de ser a pessoa que tinha sido. Passou a vestir apenas negro, e a esconder-se atrás de uns grandes óculos escuros com uma armação muito pesada. Envelheceu mais de dez anos.
Num minuto estamos no topo do mundo, no seguinte, a beleza esmorece e a juventude desaparece como se nunca tivesse existido.

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