quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

PASSEEI NA PONTE MAIS BELA



Jorge andou a pé toda a manhã.
Foi a mais perfeita das manhãs de sua vida.
A ponte é majestosa e andar por ela, sentir-lhe as vibrações nos ossos e na pele, era tudo o que sempre sonhara.
Olhar a cidade lá do alto é outra coisa, e nem o trânsito infernal o conseguiu incomodar.
O menino imaginou a construção sem viaturas e sem aquele zunido constante que faz lembrar milhares de enxames de abelhas prontas a atacar.
O chapéu da seleção e as roupas do homem misterioso estavam escondidas, primorosamente dobradas, junto à primeira das torres para quem segue para a margem sul.
Susana ainda não se restabeleceu da surpresa que foi aquela resposta do Jorge. O miúdo não pode estar a falar a sério, mas também não é menino para inventar uma coisa assim.
- O que queres dizer com isso, Jorge? Quem é que se atirou da ponte abaixo? E de que ponte falas? – pergunta-lhe a professora num tom de voz incapaz de esconder o espanto.
- Da ponte sobre o Tejo, stora! O meu pai trouxe-me de manhã, como todos os dias, e quando estávamos a passar no tabuleiro, mais ou menos a meio, vi um homem a passear na ponte. Achei aquilo muito estranho. O senhor não parecia estar ali a trabalhar. Disse-o logo ao meu pai, stora, a sério que disse, mas ele quase não me ligou. Explicou-me que devia ser alguém da manutenção. Foi nessa altura que eu deixei de o ver, o homem desapareceu lá de cima como se fosse magia.
Susana está perplexa com esta informação, e antes de conseguir articular uma palavra, Jorge retoma o discurso:
- Nunca mais o vi! Onde é que ele se teria escondido? A ponte não tem esconderijos nem buracos gigantes que o possam ter engolido. A ponte é a mais bela e extraordinária construção de Lisboa, professora. É a mais bela e maravilhosa ponte de todo o mundo, assim é que é. Quando o meu pai me deixou à porta da escola, juro que pensei muito antes de decidir. Escolhi ir até lá para tentar descobrir o que teria acontecido. Foi por isso que só agora aqui cheguei. Mas eu tinha mesmo de investigar o que andava o homem a fazer na minha ponte.
- Tu, … tu foste sozinho, a pé, até à ponte sobre o Tejo, Jorge? É mesmo isso que me estás a dizer? Tu fazes ideia dos perigos tremendos por que passaste? Tens certeza de que não me está a mentir, Jorginho? – insiste Susana, com aflição.
- Sim, professora, é mesmo verdade! Depois começou a chover muito e ainda pensei voltar para trás, mas ficou melhor e continuei. Não é assim tão longe, e o passeio é muito, muito bonito. O triste foi quando lá cheguei acima, stora. Encontrei os sapatos e as roupas do senhor arrumadas junto ao pilar, mais este chapéu da seleção que trago na cabeça. Ele atirou-se da ponte abaixo. Foi isso que aconteceu. Vinha eu a pensar nisso de regresso à escola quando uma voz simpática me pediu para não tirar o chapéu da cabeça até o dia terminar. Disse-me que era assim que o ajudaria a conseguir encontrar um sítio seguro onde se abrigar.
Susana está sem pinga de sangue, e não consegue raciocinar.
- Desculpe ter entrado assim na sala, stora, mas agora já sabe porque é que eu o fiz.
Após um momento de silêncio, a professora recompõe-se e oferece-lhe um sorriso.
- Anda, vem comigo, Jorge. Vamos telefonar ao teu pai.



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