terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O CHEIRO DO TEU RECEIO







Os caminhos reposicionados dificultam a tarefa a quem os deseja percorrer.
Prometeste escrever um pouco todos os dias, mas isso é mais fácil dizer do que cumprir. O Lopes ficou contente, não é para menos. A tua obra agradará aos leitores e tudo voltará a ser igual ao que era dantes. Disseram-me para te continuar a servir novas cidades e que te mostrasse os mais diversos caminhos. Disseram-me, mas depois deliberaram outras coisas e deixaram de me ordenar. Esperei, aguardei sentado uma eternidade até que desisti de estar à espera pois estava escuro e fazia muito frio. Entendi ser melhor regressar e continuar a ajudar-te nesta tarefa. A tua obra tem sonhos que eu gostaria de saber concretizados, e tenho curiosidade em saber como irás resolver tantas situações. Ai que inveja vocês me estão a fazer com esse vosso almoço, que inveja. Eu já não sou capaz de cheirar nem saborear, apenas consigo visualizar. É uma merda esta minha nova consistência, e do que mais falta sinto é do simples prazer de cheirar o aroma do café.

O Rodrigo está melhor e já nem parece o mesmo menino que hoje acordou cheio de febre e de tosse. Os desenhos animados na televisão parece terem ajudado a baixar a temperatura.
O telemóvel de Rita toca no momento em que o seu coração receoso começava a ficar cada vez mais apertado. É o Pedro, finalmente! Já não era sem tempo.
- Então, homem, o que raio se passou? Estou farta de te ligar e tu nunca respondeste, isso nem parece coisa tua, Pedro, com franqueza.
- Desculpa, Rita, tens razão, mas o dia de hoje está a ser um verdadeiro inferno. Filas intermináveis, um caos, e eu estava tão atrasado nas instalações que deixei o telemóvel dentro da carrinha do serviço. Nunca me tinha acontecido, e só me apercebi depois de passar mais de uma hora sem que ninguém me ligasse. Desculpa, e o Rodrigo, como é que ele está?
- Está ali deitado no sofá da sala a ver os bonecos, todo contente. Os medicamentos já lhe baixaram a febre e tem menos tosse. O médico disse que ele tem de passar os próximos dias em casa. Ainda bem que amanhã é fim-se-semana, senão ia ser uma chatice. Vê lá se não te esqueces outra vez do telefone no carro, Pedro. Logo hoje é que resolveste ficar esquecido?
- Pronto, pronto, está bem, não batas mais no ceguinho, mulher. Agora tenho de desligar que ainda há muito trabalho pela frente. Eu volto a ligar-te mais logo, por volta das oito. Um beijo.
- Pedro, já agora, vê se trazes pão que já só temos… - ainda começou Rita a dizer, mas ele já tinha desligado.
A tosse e alguma febre também o começam a atacar, mas o trabalho não perdoa e o tempo escasseia nesta tarde de sexta-feira com a qual o universo se tem mantido entretido. A sua animação é bem diferente da dos desenhos com que o filho Rodrigo foi presenteado.

A polícia passou parte do dia a interrogar os habitantes do prédio. Com a Carla, não obtiveram nenhuma resposta. A porta do seu apartamento nunca se abriu, nem mesmo após as inúmeras insistências dos agentes de autoridade.
Daniel coloca a cabeça no ombro de Carla.
Daniel afaga-lhe as costas.
O Armando morreu.
Para ela não faz diferença se foi um acidente ou um atentado a ter provocado a explosão.
O Armando morreu, e só isso lhe interessa.

 

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