O desespero tomou conta de Sofia. As suas suspeitas
tinham fundamento, os nervos deram uma ajuda, e tudo neste dia deixou de fazer
sentido. Ela não consegue deixar de ver a cara do Tiago. O que vai ele pensar
dos pais, o que pensará de si?
A vida, de um momento para o outro, ficou toda
lixada, ficou branca, pálida, asséptica como o hospital para onde foi levada.
Há qualquer coisa nos outros que a faz sentir-se enojada. Confiamos nas pessoas
e elas acabam sempre por nos desapontar. É a natureza humana, a natureza das
coisas.
Sofia aturou sempre as pequenas e grandes merdas do
Afonso, ele que lhe estragou a vida, pedaço a pedaço, ele que gozou com ela
descaradamente, desde a sorridente quarentona à loira vistosa, e agora com
aquela porca da escola onde trabalha. Vai ser preciso recomeçar, abrir novas
portas, esquecer, seguir em frente, mas agora não consegue deixar de se sentir
manipulada, e com o orgulho desfeito.
Onde ficaram todas as promessas de amor? Perigosas,
são perigosas e fazem mais vítimas que os acidentes rodoviários. Ferem, matam
mais que mil punhais.
- Só queria a minha vida de volta, merda! Porque
será que não posso ter a minha vida de volta? Acabou-se o tempo, e deixei de
sentir o carro, agora sei que o deixei ir só para ver se tinha coragem …
porquê? A resposta esteve sempre debaixo do meu nariz, e eu fazia de conta que
era apenas uma miragem.
A chuva regressa, com intensidade, bate nas vidraças
das urgências e torna o ambiente ainda mais soturno.
Sofia tem muitas coisas para fazer.
Pensou perder tudo, mas depois apareceu o rosto do
Tiago instantes antes dela voar pelo vidro da frente e aterrar, já desmaiada,
naquele lar transformado em monte de juncais. Lar, doce lar.
Sofia decide sair das urgências tal como tinha entrado,
sem esperança, só com vontade em voltar a ver o filho, nada mais.
Sofia sai do hospital debaixo de uma chuva copiosa
que ela não sente. Talvez seja dos efeitos dos medicamentos.
Afinal, o que é isso do amor?
Até onde será capaz de ir Sofia por amor ao seu
filho?
Por uma única vez gostaria que o Afonso tivesse sido
homem e lhe tivesse dito a verdade.
- Eu sei tudo! Olha-me nos olhos e mente mais uma
vez, se fores capaz! Semanas, meses, eu sempre a sabê-lo, e tu sem coragem para
me disseres, só a viver esta mentira. Descobri tudo, tal como antes de casarmos,
mas preferi continuar a sonhar. Agora, finalmente, entendi-te! Ficas com tudo, com
este abandono ao qual te condeno, com todos os gestos que nos destruíram, com o
gelo a que essas tuas aventuras nos condenaram. Há uma coisa que te agradeço, Afonso,
o teres sido tão estúpido ao ponto de me ser fácil garantir a custódia do Tiago,
meu grandessíssimo cabrão!
A fortíssima bátega de água purifica-lhe os pensamentos.
Todos a deixam passar à frente na fila de táxis ao verem-na assim tão encharcada
e marcada pelas feridas desenhadas no rosto.
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