Um universo jovem transporta um bebé ao colo. Pede um
lanche ao balcão do café enquanto bebe água de um copo. Coloca a quantia exata
nas mãos da empregada, aperta o farnel no meio de um pequeno guardanapo de
papel retangular e desaparece com o filho bem seguro no braço esquerdo. Trazia
um rabo-de-cavalo construído à pressa e uma mala atirada para trás das costas.
Outro universo jovem está sentado a uma mesa com a
filha amparada na coxa esquerda. A bebé olha de baixo para cima e vislumbra o
queixo do pai, que lhe faculta uma chupeta amarela e um minúsculo urso de
peluche acastanhado com barriga e olhos azuis. O carrinho da bebé está colocado
ao lado da mesa, onde mora uma chávena de café vazia que o universo jovem já
bebeu. Ele fala ao telemóvel e a menina mexe nos pés aquecidos pelo babygrow,
aperta o urso, leva-o à boca, mexe no tampo branco e liso da mesa, chucha no
polegar da mão direita e observa, com atenção, tudo o que acontece ao seu
redor. O universo jovem coloca a bebé no carrinho e desaparece empurrando a
viatura. Trazia um casaco de fato de treino atado em volta da cintura.
Zé Paulo é um universo complexo, quase tão complexo
como todas as suas teorias. A imagem das suas mãos cravadas no pescoço do pai
nunca lhe saiu da cabeça, por isso detesta gravatas e homens engravatados,
detesta tudo o que possa condicionar os movimentos do pescoço. Golas altas, laços,
lacinhos, laçarotes, lenços, cachecóis, são inimigos que prefere não ter de
enfrentar. Usar esse tipo de vestuário é invocar a memória do passado que assim
regressa para o assombrar.
Zé Paulo teve, um dia, a perceção de que talvez ele
funcionasse como um universo. Se tal consideração estivesse correta, todos os
seres vivos se comportariam como universos e o próprio universo onde todos
existem e coabitam, seria uma entidade viva, um fractal infinito, eterno,
dinâmico e dificílimo de descrever.
Zé Paulo sabe que a teoria é absurda, quase ridícula.
Surgiu-lhe durante uma daquelas noites em que a cabeça lhe pregou uma grande
partida. Os dias e as madrugadas misturaram-se como corantes distintos, as
luzes feriram-lhe a vista, as palavras deixaram de fazer sentido, o tempo
distorceu-se e o chão ora se movia, ora permanecia quieto como era suposto
acontecer. Nada era real, e tudo era mais do que real. Metade do universo
estava desligado, e a outra metade latejava intensamente como se fosse
explodir, mas nada parecia ser mais autêntico do que essa metade do universo
que se mantinha desligada.
- Não quero recordar os meus pais, não posso ficar
doente outra vez. Vou fazer tudo o que prometi ao Rogério, antes que me
arrependa. Os universos são lugares violentos, de equilíbrios instáveis e
difíceis de manter. Gosto demasiado da Sofia e do Tiago para estar contente com
o que lhes está a acontecer. Porque será que não consigo deixar de estar
contente com o que lhes está a acontecer?
Na televisão passam as imagens da explosão que ocorreu
numa rua movimentada de Lisboa. Em rodapé surge a notícia de um homem que
decidiu acabar de vez com o seu universo, atirando-se ao Tejo do alto da ponte
25 de Abril. Zé Paulo volta a considerar a teoria dos universos paralelos cada
vez menos inverosímil. As suas apreciações estão a bater certo - o universo
está a ficar cada vez mais vazio à medida que vai envelhecendo e que ele o
compreende.
Pena é que o gigantesco buraco negro que tudo suga não se canse de trabalhar, mesmo estando a outra metade do universo a descansar.
Pena é que o gigantesco buraco negro que tudo suga não se canse de trabalhar, mesmo estando a outra metade do universo a descansar.