Um vazio.
Um espaço em branco.
A folha de papel mantém-se estática, cruel.
A obra mal avança. Confesso que tem sido um martírio
tentar encontrar inspiração nestes últimos dias. A conversa com o invisível
também não tem ajudado. Bem pelo contrário! Fiquei perturbado com as coisas que
ele sabe a meu respeito.
Observo a cor do papel.
Escuto o seu silêncio.
Compreendo o vazio que o preenche e destrói.
Tenho de ligar ao Lopes, deve estar chateadíssimo
comigo, coitado! Talvez me possa ajudar.
Converso comigo mesmo em busca de frases, tento
dar-lhes um rumo pelo meio deste deserto.
Tenho sonhado mais do que o habitual, uns sonhos
incómodos e perturbadores. Sonhos que se entranham na memória. Não gosto disso,
e nem sequer foram capazes de me proporcionar pistas ou deixas para o
desenvolvimento do romance, como antes acontecia. Serão, talvez, os restos das
memórias dos dias em que estive hibernado.
- Está, Lopes, sou eu. Bom dia. Como é que vão as
coisas contigo?
- Rui, até que enfim! Que bom é ouvir a tua voz, meu
caro amigo! Que bom é ouvir de novo a tua voz. Então, já temos novidades acerca
do trabalho?
Rui sorri, e observa a vista da janela.
- Ó Lopes, antes de mais nada, quero pedir-te desculpa
por não ter atendido as tuas chamadas. Estou com um terrível peso na
consciência, e resolvi ligar-te. Tenho sentido dificuldades em manter o ritmo
de trabalho adequado às exigências desta obra. Não seria correto da minha parte
continuar a esconder-te estas contrariedades. De qualquer maneira, a pouco e
pouco, a obra lá vai crescendo. Tenho é sérias dúvidas se estará pronta no
prazo previsto.
- Quando é que eu posso passar aí por casa para
conversarmos melhor acerca deste assunto, Rui? Será que hoje seria um abuso da
minha parte? Não? Pode ser. Ótimo! Então estarei aí por volta das três, três e
meia. Fica combinado. Um abraço, até logo, foi um prazer falar contigo!
O Lopes vai querer dar uma vista de olhos ao texto que
já escrevi. É sempre assim que as coisas acontecem, para que se evitarem as
surpresas desagradáveis.
As folhas continuam brancas, caladas, surdas, à espera
da tinta da minha pena.
Olham-me.
Chamam-me.
Eu tento escutar as vozes que me contam as histórias,
mas só relembro aquilo que não queria.
Porque terá ela deixado de me amar? Será que alguma
vez me amou, será que tudo o que vivemos teve algum significado para si?
- Lá estás tu, de novo, a pensar na pianista. Não
vivas do passado, deve ser por isso que tens pesadelos e sonhos agitados. Quer
gostes, quer não gostes, vais ter de encarar o futuro de outra maneira. –
exclama o amigo invisível.
- Mas que grande lata a tua! Um suicida a opinar
acerca do meu futuro. Estarei a ouvir bem? – responde Rui com ironia.
- Não brinques com coisas sérias! Sabes lá o que se
está a passar. Desconheces, por completo, tudo aquilo que aconteceu. Tu não
sabes nada acerca de coisa alguma! És um peão à deriva no meio de uma imensa
tempestade. Obrigaram-me a vir ter contigo, mas não me deram qualquer
instrução. Neste momento, até duvido que me consigas escutar. Estás
transformado num perfeito idiota! Como podes compreender o que se passa em teu
redor, se passas o tempo enclausurado nestas quatro paredes à procura de
palavras para a obra? Isso é estratégia para um perfeito e refinado idiota! Um
escritor tem de respirar nos espaços que escreve e que cria, tem de sair, tem
de viajar, tem de conhecer, tem de sofrer, tem de sentir, tem de existir. Um
escritor não se deixa abater pela dor, pelas doenças, por palavras amargas, por
críticas ácidas, pelas modas, mas acima de tudo, um escritor não se pode deixar
derrotar pela solidão. Observa com atenção essa folha branca que ainda agora
tinhas à tua frente. O que vês? O que te diz a folha carregada com as palavras
que lhe ofereceste? Lê! Interpreta esses teus sonhos, esses diálogos, as
questões que colocaste, as insinuações, os dilemas escondidos, os diálogos de
cada personagem. Deixa de ser um idiota! Porque razão não posso julgar tudo o
que fazes? Se calhar, é mesmo só para isso que eu aqui estou!
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