Carla tem medo de adormecer. E se tudo isto que lhe está a acontecer não
passar de um simples sonho? Se assim for, ela não quer adormecer para depois
acordar numa realidade em que o Armando não tenha sido vitimado por um
atentado.
Carla receia que isso possa acontecer pois aprecia esta realidade mais do que
outra qualquer. Os seus dias têm sido infelizes e muito conturbados, mas esta
madrugada devolveu-lhe a esperança.
O Armando está morto! As aleatórias leis do universo resolveram aplicar-lhe
um dos mais severos castigos e acabaram com a sua vida. O cosmos não aprecia
gente que não sabe reconhecer as suas leis.
Ainda bem que tudo terminou, pois Carla encontrava-se a meio caminho da loucura.
Ainda bem que um buraco negro passou bem perto do alarve e o engoliu de vez e para
sempre.
- É importante que eu consiga resistir ao cansaço e não me deixe adormecer.
Não posso dormir, não agora. Quero ter a certeza absoluta que o que hoje
aconteceu é a mais pura das verdades. Só assim poderei tentar voltar a ser quem
eu era antes de o conhecer.
O escritor tem a obra praticamente concluída.
Helen acaba de tocar a sua extraordinária criação.
Os dedos velozes bailaram pelas teclas do instrumento.
As suas mãos dão ordem ao tempo para se movimentar. O universo manteve-o
suspenso ao longo da brilhante interpretação da pianista irlandesa.
A chuva está de regresso, começou a cair no instante em que o tempo voltou.
Rui está sem palavras. Perante uma obra assim é impossível encontrar
adjetivos. A melodia provoca sentimentos e sensações que nenhum poema será
capaz de descrever.
Helen está feliz, está muito feliz.
Não é todos os dias que alguém consegue fazer parar o tempo para que o
universo possa apreciar, com a devida atenção e respeito, uma verdadeira obra
prima.
- Every time we
say goodbye I die a little . Every time we say goodbye I wonder why a little . Why
the gods above me who must be in the know . Think so little of me they allow
you to go… but now, my love, you are here with me and that’s all that matters.
A
vida no interior deste gigantesco buraco negro nem sempre é trágica, ou violenta,
ou confusa, ou feroz. Por vezes ela consegue surpreender-nos com momentos de pura
magia e de uma extrema felicidade.