A obra atravessa o espaço como um cometa, vislumbra outros astros iguais a si enquanto viaja.
O Lopes é capaz de se zangar quando Rui lhe disser que apesar de andar mais
concentrado e de ter sido capaz de escrever todos os dias, a obra está longe de
chegar ao fim. Mas este facto deixou de preocupar o escritor.
Mais dia, menos dia, os cientistas conseguirão provar que o universo nasceu
e desde então não tem parado de crescer. Ficará provada a existência de um
início, e se o universo nasceu, então seguramente terá um
fim. O infinito é coisa com princípio, meio e fim, por isso também nós somos
infinitos como o universo onde nadamos. Isso é reconfortante.
O que verdadeiramente importa é sermos capazes de escrever as histórias que
escutamos.
- É isso que tu tentas fazer, Rui? Escrever as histórias que vais
escutando. Eu próprio te contei um pouco da minha história. O que vais fazer
com ela? Vais acrescentar palavras à tua obra? É isso que pretendes fazer?
Claro que sim, é mesmo isso que vais fazer. Se parares de escrever morres mais
depressa. Segura-te às palavras das tuas histórias, mesmo que elas não tenham
nexo. Não pares de escrever, Rui, não te deixes abater pela constante falta de
inspiração, como gostas de lhe chamar. A tua pianista ama-te, és um homem de
sorte! A tua solidão acabou. O mundo deixou de ser igual ao que era no
início da tua obra. Eu e todas as personagens da história estamos bem melhor
agora. A tua cidade é mais feliz do que aquelas que te dei a conhecer, e todas
são verdadeiras porque existem, ou já aconteceram. A obra terá de ser capaz de
explicar estas evidências. Tudo está relacionado e nada acontece por acaso. A
minha tarefa está praticamente concluída, eu nada mais te posso mostrar pois
assim me comunicaram. Está quase na hora de regressar a casa. Estou com
saudades desse lugar que nunca conheci. Quem sabe se desta vez me será
facultada uma vida com um pouco mais de cor. Talvez possa encontrar a minha
pianista e o meu mundo ganhe uma luz incomparável. Talvez. Se quiseres conta um
pouco da minha história nessa tua obra, amigo escritor. Conta as histórias dos
lugares para onde te transportei, conta como eles te transformaram. Escreve
acerca das nossas conversas e discussões, escreve, mas apenas se quiseres.
Este é um dia bom, é um dia tão bom como outro qualquer.
Daniel acena um adeus, ao longe, do outro lado da avenida, sentado à janela
da sala do escritor.
Rui vê o seu amigo a desaparecer muito lentamente, tal como uma imagem
cinematográfica que desvanece.
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