quinta-feira, 20 de março de 2014

O INFINITO É COISA COM PRINCÍPIO MEIO E FIM


A obra atravessa o espaço como um cometa, vislumbra outros astros iguais a si enquanto viaja.
O Lopes é capaz de se zangar quando Rui lhe disser que apesar de andar mais concentrado e de ter sido capaz de escrever todos os dias, a obra está longe de chegar ao fim. Mas este facto deixou de preocupar o escritor.
Mais dia, menos dia, os cientistas conseguirão provar que o universo nasceu e desde então não tem parado de crescer. Ficará provada a existência de um início, e se o universo nasceu, então seguramente terá um fim. O infinito é coisa com princípio, meio e fim, por isso também nós somos infinitos como o universo onde nadamos. Isso é reconfortante.
O que verdadeiramente importa é sermos capazes de escrever as histórias que escutamos.
- É isso que tu tentas fazer, Rui? Escrever as histórias que vais escutando. Eu próprio te contei um pouco da minha história. O que vais fazer com ela? Vais acrescentar palavras à tua obra? É isso que pretendes fazer? Claro que sim, é mesmo isso que vais fazer. Se parares de escrever morres mais depressa. Segura-te às palavras das tuas histórias, mesmo que elas não tenham nexo. Não pares de escrever, Rui, não te deixes abater pela constante falta de inspiração, como gostas de lhe chamar. A tua pianista ama-te, és um homem de sorte! A tua solidão acabou. O mundo deixou de ser igual ao que era no início da tua obra. Eu e todas as personagens da história estamos bem melhor agora. A tua cidade é mais feliz do que aquelas que te dei a conhecer, e todas são verdadeiras porque existem, ou já aconteceram. A obra terá de ser capaz de explicar estas evidências. Tudo está relacionado e nada acontece por acaso. A minha tarefa está praticamente concluída, eu nada mais te posso mostrar pois assim me comunicaram. Está quase na hora de regressar a casa. Estou com saudades desse lugar que nunca conheci. Quem sabe se desta vez me será facultada uma vida com um pouco mais de cor. Talvez possa encontrar a minha pianista e o meu mundo ganhe uma luz incomparável. Talvez. Se quiseres conta um pouco da minha história nessa tua obra, amigo escritor. Conta as histórias dos lugares para onde te transportei, conta como eles te transformaram. Escreve acerca das nossas conversas e discussões, escreve, mas apenas se quiseres.
Este é um dia bom, é um dia tão bom como outro qualquer.
Daniel acena um adeus, ao longe, do outro lado da avenida, sentado à janela da sala do escritor.
Rui vê o seu amigo a desaparecer muito lentamente, tal como uma imagem cinematográfica que desvanece.

Sem comentários:

Enviar um comentário