Zé Paulo procura ar para respirar por entre
as estrelas mais escondidas.
Na escuridão encontra a esperança, e nos
detalhes mais inusitados e recônditos do universo encontra a sua força. Nos
livros encontra palavras que nunca escreveu, enxames de letras e de frases que
se escapam a voar deixando as páginas vazias.
Os átomos invisíveis denunciam as leis dos
sóis, esses foragidos sem lei, esses loucos que servem a luz e o calor como
néctares preciosos. A matéria agradece, sedenta, essa dádiva insana de vértices
afiados e cónicas formas luzidias. Refletem-na como um espelho até que nuvens
tenebrosas de águas mil descem finalmente dos céus.
Zé Paulo sempre foi influenciado pelas
estrelas, foi transformado por elas como os mares, os campos, as florestas.
Cresceu fustigado por tantas escolhas incorretas.
Zé Paulo procura ar para respirar, anda
perdido, deixou de saber ver e de sentir. As palavras que encontra nos livros
são sobretudo salgadas, são equilibristas em fios de luz abandonados. Nelas
vive um vírus dormente e perigoso que o impede de imaginar. Fazem-lhe chegar-lhe
miragens através de um frio gélido e cortante, afiado, longo e fino como uma
lâmina.
- Apenas os loucos conseguem ser sérios nas
coisas que afirmam, somente os loucos escrevem poemas com sentido e sabem onde
eles nascem. Eu sou incapaz de escrever poemas com sentido, deixei de ser capaz
de escrever poemas com sentido. Outrora o sol percorria, calmo, os mesmos
campos por onde eu passeava mas agora deixei de acreditar, deixei de ser e de
sentir. Junto as minhas palavras como se fossem pedras. Tento fazê-lo com a
mesma determinação, mas elas estão cansadas e abandonaram este pátio onde vivo.
Regressaram ao passado onde os poemas eram simples e se entretinham a brincar
com as mensagens que escondiam. Ouso dizer aquilo que escuto e o que sou. Ouso
percorrer estradas desalinhadas, descer aos abismos mais profundos, percorrer esses
túneis, esses tumultuosos buracos negros por onde o chão desabou. Cresço e não
cresço. Roubaram-me a juventude, tudo na minha juventude ficou adiado. Essas
memórias pesam-me como uma montanha, e regressam para me roubarem as palavras
já construídas. Estou cansado de tanto subir e de tanto descer, tudo se
decompõe perante as minhas tentativas de dar explicação ao inexplicável. Eu
estou perdido, escuto, e volto-me a perder. Já não sou ninguém, se é que alguma
vez fui alguém. Este sonho indica-me um caminho, um no qual eu quero acreditar.
Tem cores, cheiros, e uma história tão real. Tem gente, paisagens, sombras e
conversas quentes como poemas. Tem a tua imagem, bela Sofia, tem a tua voz que
eu não quero esquecer. Não consegui conhecer o meu pai, não sei quem era, e por
isso sinto que não me conheci. A minha história começou naquele dia em que
quase terminou. Perdi pedaços dessa crónica como os sonhos dos quais me
despedi. Onde ficou essa vida, essa visão morna e esponjosa, onde está a minha
vida? Para mim é muito importante continuar a acreditar, e isso acontece quando
olho para ti, Sofia. Ver-te é o mesmo que acreditar. Pertenço ao mesmo lugar
que tu, e não pretendo que a vida me volte a roubar as palavras e me transporte
para esse passado que me entristece. Gosto de me sentir em casa, e gosto de
conseguir sonhar. Assim que me olhas eu tremo, fico imóvel e sem palavras.
Quero acreditar no tempo, num tempo que saiba brincar comigo neste pátio onde
habito. É aqui que gostamos de nos sentir em casa, é aqui que gostamos de
sonhar. Falta-me o ar quando penso em ti, ou quando te vejo, Sofia! Não sinto o
meu corpo e perturba-me esta espécie de medo que me invade. Escrevo estas
palavras porque já não sei mais o que fazer. Não sei quem sou, procuro-te neste
meu sonho, Sofia, onde tu existes mas ainda não és minha, e custa-me respirar.
A montanha regressa para me roubar o ar e as palavras, mas ajuda-me a
sobreviver. Este é um tempo que castiga, mas que me faz sorrir.
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