domingo, 16 de março de 2014

ESTRADAS DESALINHADAS




Zé Paulo procura ar para respirar por entre as estrelas mais escondidas.
Na escuridão encontra a esperança, e nos detalhes mais inusitados e recônditos do universo encontra a sua força. Nos livros encontra palavras que nunca escreveu, enxames de letras e de frases que se escapam a voar deixando as páginas vazias.
Os átomos invisíveis denunciam as leis dos sóis, esses foragidos sem lei, esses loucos que servem a luz e o calor como néctares preciosos. A matéria agradece, sedenta, essa dádiva insana de vértices afiados e cónicas formas luzidias. Refletem-na como um espelho até que nuvens tenebrosas de águas mil descem finalmente dos céus.
Zé Paulo sempre foi influenciado pelas estrelas, foi transformado por elas como os mares, os campos, as florestas. Cresceu fustigado por tantas escolhas incorretas.
Zé Paulo procura ar para respirar, anda perdido, deixou de saber ver e de sentir. As palavras que encontra nos livros são sobretudo salgadas, são equilibristas em fios de luz abandonados. Nelas vive um vírus dormente e perigoso que o impede de imaginar. Fazem-lhe chegar-lhe miragens através de um frio gélido e cortante, afiado, longo e fino como uma lâmina.
- Apenas os loucos conseguem ser sérios nas coisas que afirmam, somente os loucos escrevem poemas com sentido e sabem onde eles nascem. Eu sou incapaz de escrever poemas com sentido, deixei de ser capaz de escrever poemas com sentido. Outrora o sol percorria, calmo, os mesmos campos por onde eu passeava mas agora deixei de acreditar, deixei de ser e de sentir. Junto as minhas palavras como se fossem pedras. Tento fazê-lo com a mesma determinação, mas elas estão cansadas e abandonaram este pátio onde vivo. Regressaram ao passado onde os poemas eram simples e se entretinham a brincar com as mensagens que escondiam. Ouso dizer aquilo que escuto e o que sou. Ouso percorrer estradas desalinhadas, descer aos abismos mais profundos, percorrer esses túneis, esses tumultuosos buracos negros por onde o chão desabou. Cresço e não cresço. Roubaram-me a juventude, tudo na minha juventude ficou adiado. Essas memórias pesam-me como uma montanha, e regressam para me roubarem as palavras já construídas. Estou cansado de tanto subir e de tanto descer, tudo se decompõe perante as minhas tentativas de dar explicação ao inexplicável. Eu estou perdido, escuto, e volto-me a perder. Já não sou ninguém, se é que alguma vez fui alguém. Este sonho indica-me um caminho, um no qual eu quero acreditar. Tem cores, cheiros, e uma história tão real. Tem gente, paisagens, sombras e conversas quentes como poemas. Tem a tua imagem, bela Sofia, tem a tua voz que eu não quero esquecer. Não consegui conhecer o meu pai, não sei quem era, e por isso sinto que não me conheci. A minha história começou naquele dia em que quase terminou. Perdi pedaços dessa crónica como os sonhos dos quais me despedi. Onde ficou essa vida, essa visão morna e esponjosa, onde está a minha vida? Para mim é muito importante continuar a acreditar, e isso acontece quando olho para ti, Sofia. Ver-te é o mesmo que acreditar. Pertenço ao mesmo lugar que tu, e não pretendo que a vida me volte a roubar as palavras e me transporte para esse passado que me entristece. Gosto de me sentir em casa, e gosto de conseguir sonhar. Assim que me olhas eu tremo, fico imóvel e sem palavras. Quero acreditar no tempo, num tempo que saiba brincar comigo neste pátio onde habito. É aqui que gostamos de nos sentir em casa, é aqui que gostamos de sonhar. Falta-me o ar quando penso em ti, ou quando te vejo, Sofia! Não sinto o meu corpo e perturba-me esta espécie de medo que me invade. Escrevo estas palavras porque já não sei mais o que fazer. Não sei quem sou, procuro-te neste meu sonho, Sofia, onde tu existes mas ainda não és minha, e custa-me respirar. A montanha regressa para me roubar o ar e as palavras, mas ajuda-me a sobreviver. Este é um tempo que castiga, mas que me faz sorrir.

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