Navego, de novo, por páginas em branco.
Recordo, de novo, as histórias que tenho para contar. É assim, tal como nesse
instante em que comecei a escrever a primeira história. O Lopes ficou contente
quando lhe disse. Deve estar mesmo a chegar. O toque, o cheiro, a forma retangular
que impele ao registo das palavras, a tinta que flui e esborrata, por vezes, os
alinhamentos bem desenhados reforçando uma letra nesta página por onde as
palavras navegam. Este é um novo caderno, mas as palavras pertencem à obra por
construir. O Lopes deve estar mesmo a chegar. A máquina dos cafés não descansa,
e o Abílio faz quilómetros neste somatório de slalons por entre as mesas
repletas do restaurante. Escrever, sempre, mais um pouco, todos os dias.
A mensagem que Helen me enviou dizia-me
que só depois das oito e meia estará livre para conversar:
- “Hello. How r u? I´m working. Call me after
8.30. p.m. XXX :)”
Quando o Lopes chegar mostro-lhe a caneta
que comprei na feira, e este caderno ainda tão vazio para onde a obra irá
transbordar. Aqui também será a sua morada desconhecida. Não vão ser estas
parcas palavras que o irão acalmar, mas sim a boa nova que é esta minha vontade
em concluir o romance, em dar-lhe um rápido andamento, em escutar com atenção
as frases que me são doadas e registá-las com prontidão.
O Lopes chegou. Estaciona o BMW quase em
frente à entrada do estabelecimento, do lado certo da rua. Não falha, uma e um
quarto. A mesma pontualidade de sempre, a mesma mesa, e um abraço forte,
sentido.
- Rui, que saudades eu já tinha destes nossos
almoços. Mas que valente susto tu nos pregaste, homem! Um susto do caraças.
Nunca estiveste tanto tempo sem dar notícias, e trazias toda a gente
preocupada.
- Que exagero, Lopes, que exagero.
Resolvi passar estes últimos dias a meditar acerca de uns assuntos que me
andavam a inquietar, foi apenas isso. E preferi manter o telemóvel desligado, e
não atender qualquer chamada. Estive sempre em casa, nunca saí. Mas isso já
passou, foi um tempo necessário. E que melhor notícia te podia eu dar? Sabia
que ias ficar contente. Prometo terminar a obra durante o próximo mês, se tudo
correr conforme eu espero. Então, o que me dizes? A editora ainda está com
vontade de me ter de volta, apesar de tantas contrariedades, de tantos avanços
e recuos da minha parte?
- Estás parvo, mas isso lá é pergunta que
se faça? É claro que sim! Que bom, nem pareces o mesmo Rui do ano passado. E
essa tua resolução, se a conseguires cumprir, é tudo o que a editora necessita
para começar a dar andamento às coisas. Que boa notícia, camarada. É mesmo uma
ótima notícia.
O Abílio já colocou o jarro de vinho
tinto em cima da mesa, o cesto com a broa fatiada, as azeitonas, o galheteiro, só
falta mesmo a travessa das febras grelhadas à moda da casa acompanhadas com a
magnífica salada de pimentos.
- Hoje, o almoço fica por minha conta.
Este fim de semana não podia estar a começar de melhor maneira, Rui. Que bom é
estarmos de novo aqui reunidos ao almoço, camarada, e eu que já começava a
sentir falta destas nossas conversas.
Sem comentários:
Enviar um comentário