quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

FEBRAS E SALADA DE PIMENTOS


Navego, de novo, por páginas em branco. Recordo, de novo, as histórias que tenho para contar. É assim, tal como nesse instante em que comecei a escrever a primeira história. O Lopes ficou contente quando lhe disse. Deve estar mesmo a chegar. O toque, o cheiro, a forma retangular que impele ao registo das palavras, a tinta que flui e esborrata, por vezes, os alinhamentos bem desenhados reforçando uma letra nesta página por onde as palavras navegam. Este é um novo caderno, mas as palavras pertencem à obra por construir. O Lopes deve estar mesmo a chegar. A máquina dos cafés não descansa, e o Abílio faz quilómetros neste somatório de slalons por entre as mesas repletas do restaurante. Escrever, sempre, mais um pouco, todos os dias.
A mensagem que Helen me enviou dizia-me que só depois das oito e meia estará livre para conversar:
- “Hello. How r u? I´m working. Call me after 8.30. p.m. XXX :)”
Quando o Lopes chegar mostro-lhe a caneta que comprei na feira, e este caderno ainda tão vazio para onde a obra irá transbordar. Aqui também será a sua morada desconhecida. Não vão ser estas parcas palavras que o irão acalmar, mas sim a boa nova que é esta minha vontade em concluir o romance, em dar-lhe um rápido andamento, em escutar com atenção as frases que me são doadas e registá-las com prontidão.
O Lopes chegou. Estaciona o BMW quase em frente à entrada do estabelecimento, do lado certo da rua. Não falha, uma e um quarto. A mesma pontualidade de sempre, a mesma mesa, e um abraço forte, sentido.
- Rui, que saudades eu já tinha destes nossos almoços. Mas que valente susto tu nos pregaste, homem! Um susto do caraças. Nunca estiveste tanto tempo sem dar notícias, e trazias toda a gente preocupada.
- Que exagero, Lopes, que exagero. Resolvi passar estes últimos dias a meditar acerca de uns assuntos que me andavam a inquietar, foi apenas isso. E preferi manter o telemóvel desligado, e não atender qualquer chamada. Estive sempre em casa, nunca saí. Mas isso já passou, foi um tempo necessário. E que melhor notícia te podia eu dar? Sabia que ias ficar contente. Prometo terminar a obra durante o próximo mês, se tudo correr conforme eu espero. Então, o que me dizes? A editora ainda está com vontade de me ter de volta, apesar de tantas contrariedades, de tantos avanços e recuos da minha parte?
- Estás parvo, mas isso lá é pergunta que se faça? É claro que sim! Que bom, nem pareces o mesmo Rui do ano passado. E essa tua resolução, se a conseguires cumprir, é tudo o que a editora necessita para começar a dar andamento às coisas. Que boa notícia, camarada. É mesmo uma ótima notícia.
O Abílio já colocou o jarro de vinho tinto em cima da mesa, o cesto com a broa fatiada, as azeitonas, o galheteiro, só falta mesmo a travessa das febras grelhadas à moda da casa acompanhadas com a magnífica salada de pimentos.
- Hoje, o almoço fica por minha conta. Este fim de semana não podia estar a começar de melhor maneira, Rui. Que bom é estarmos de novo aqui reunidos ao almoço, camarada, e eu que já começava a sentir falta destas nossas conversas.

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