terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O ONTEM E O AGORA



Avançar pela ponte não é o mesmo que voar, mas Augusto também não se sente lá muito seguro sabendo-se assim tão alto só com o Tejo debaixo de si.
O tempo passou depressa, demasiado depressa. Onde foi que se esconderam tantos anos, e porque recorda esses dias distantes da sua juventude, na aldeia transmontana onde nasceu, cresceu, e se fez homem?
O silêncio reina durante a travessia, o silêncio é rei, e as memórias são a sua rainha e as suas princesas. Cristo está silencioso, de braços abertos, a abençoar a chegada à outra margem. António regressará no próximo verão, é bom que o faça, e que resolva de uma vez por todas as questões pendentes com o sócio francês que o enganou.
A vida é madrasta, e nem sempre acolhe como o Cristo redentor.
Augusto está cansado, farto de emoções, cansado de desilusões.
Uma miragem transforma o rosto da estátua no rosto moribundo do Xico Penedas. Por um breve e fugaz instante, duvida da sua sanidade, mas bem depressa o rosto de pedra volta a ser a face do Cristo salvador.
Um pouco antes da passagem junto ao largo da portagem, Augusto desabafa e as palavras regressam:
- Sinto que não fui um bom pai, Filipa. Estou convencido que não fiz tudo aquilo que estava ao meu alcance para que vocês fossem felizes. Esta vida de merda passa tão depressa, mais parece uma ilusão. Andamos enganados, deixamo-nos enganar como criancinhas inocentes e quando damos conta, a vida passou por nós e não fizemos nada daquilo que sonhámos. Merda, a vida é uma grandessíssima merda, essa é que é essa!
A lembrança do odor adocicado de Etelvina, misturado com o perfume da erva e da terra por arar, voltaram para o acalmar. Naquele tempo a vida tinha outro preço, e a eternidade era sentida em cada toque, em cada beijo, em cada olhar. Etelvina e Augusto eram os únicos habitantes do planeta quando se amavam pelos campos, fertilizando-os com todos os seus sucos. O tempo não passava por ali, estava parado, e a eternidade acontecia.
- Foi ontem! - pensa Augusto - Foi só ontem que tudo isto se passou.
- O pai sabe o quanto eu detesto quando começa a falar dessa maneira… - exclama Filipa para logo ser interrompida pelo sobrinho Joel.
- Ó tia, mas é verdade o que o avô está a dizer, é bem verdade. O tempo passa a correr. Devíamos dar mais atenção às coisas que verdadeiramente importam, e há alturas na vida em que se torna mais dolorosa esta evidência. Por mim, o avô pode dizer todas as asneiras que lhe vierem à cabeça. Esteja à vontade, avô, força, desembuche para aí à vontade!
Augusto sorri, vira-se para trás, contempla o neto olhos nos olhos, e exclama:
- Tu vê lá se ganhas juízo, Joel. Aproveita bem o que a vida tem para te oferecer, e goza-a bem! Olha que isto passa tudo num instante, num abrir e fechar de olhos, e a maior parte das vezes só nos preocupamos com merdices sem importância nenhuma. Goza agora, goza bem tudo o que de bom a vida tem para te dar.

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