- Como te disse, comecei a escrever mas
nada tem interesse. Pela primeira vez em anos, procuro um rumo e não o
encontro. Um medo genuíno apoderou-se de mim, e a tua presença é um sinal
preocupante. Isolei-me. Construí histórias onde gostaria de ter participado e
mundos que gostaria de ter visitado. Vivo com emoção as viagens dos meus
heróis, envolvo-me nelas de tal forma que me custa regressar à claustrofóbica
realidade onde é suposto encontrar inspiração. Será que entendes o que quero dizer?
- A ponte é tão alta. Naquele instante
entre o saltar e o ficar, tentei esvaziar as memórias, sem sucesso. Só
conseguia pensar quão alta era a ponte. Os automóveis passavam, o coração
destroçado, a cabeça prestes a explodir, sempre a doer, as mesmas imagens
desfocadas, os mesmos pensamentos, e o gigantesco beco sem saída a esmagar-me,
como sempre acontecia. Senti-me leve, saltei, e o mundo acelerou durante o voo.
Ficou do tamanho de um minúsculo grão de areia, estrela única num firmamento
despojado de estrelas. A pequena célula brilhante voltou a crescer, assumiu a
forma de uma esfera de cristal e nela pude assistir ao que acabara de fazer. Depois,
voltou a diminuir até quase desaparecer na escuridão. Não sei, ao certo, quanto
tempo terá passado desde então. Aprendi a atravessar paredes, a transitar através
de corpos vivos, e a voar. Posso visitar todos os lugares, se assim o desejar, e
posso assistir aos acontecimentos do passado e do presente. Mas por qualquer estranha
razão, dei por mim sentado nesta cadeira da tua sala. Enquanto não terminares a
tua obra, serei o teu parceiro, e estarei preparado para tudo aquilo que necessitares.
Assim me comandaram as vozes num evento muito estranho, e não vale a pena tentarmos
encontrar explicações para estes acontecimentos.
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