sábado, 26 de janeiro de 2013

NASCEMOS PARA MORRER



As personagens do escritor regressam para o interior do invólucro, onde as repensa, onde conversam umas com as outras, mesmo não se conhecendo. Rui volta a refugiar-se num mundo imaginário que só ele conhece. Os universos existem em jarros transparentes, com passagens efémeras entre si, de portas invisíveis, e janelas cerradas. O cosmos deixou de fazer sentido. Zé Paulo tinha razão. Os universos são locais violentos, com toda a informação refletida nos seus horizontes mais longínquos, buracos negros semelhantes ao início de todos eles, universos que habitam nos seus interiores, universos comunicantes, onde realidade e sonho coexistem separados por membranas invisíveis às máquinas sofisticadas que o homem construiu.
Correr e escrever, sem dizer adeus, só até já. É sempre primavera quando encontramos as mensagens escondidas em cada uma das histórias. Rui, tenta encontrar a nova obra através do denso nevoeiro deste difícil recomeçar, sem escutar as vozes amigas, suas companheiras de sempre, e sem os pesadelos inovadores que sempre o ajudaram nas suas criações.
- Nascemos para morrer! Nascemos para morrer, e aprendemos, relembrando o que se perdeu nas memórias distantes de quem já fomos, como todos os universos existentes. As calças já não vão à máquina quase há dois meses. Trago pedaços do ano passado agarrados à ganga. Gosto de trazer fragmentos de coisas passadas colados à roupa, bocados de dias, de semanas, com viagens e viajantes que nunca conheci. Nesta outra cidade, as pessoas andam mais libertas de razão. O companheiro desapareceu, entendeu deixar-me sozinho com esta nova paisagem. Ainda não sei quem é, ou quem foi, melhor dizendo. Nem ele sabe porque me veio visitar. Não sabe nada, afinal, é isto que nos acontece quando morremos. A mesma dúvida surge quando compreendemos que estamos vivos a primeira vez. Então isto é que é estar vivo? Então isto é que é estar morto? Mas, o que é isto afinal? Estamos ali, estávamos ali, e depois, tudo passou num repente, e já lá não estamos, já estamos aqui, ou num outro lugar, num outro tempo, e não somos quem éramos, mas ainda somos, antes de deixarmos de existir. Esta neblina morna levou-me grande parte das palavras escritas. Não que elas fossem muito importantes, ainda nada de sério nelas tinha acontecido. Vou sair. Regressei a casa para ter esta surpresa. Uma prenda! Que cidade é esta, que rio será aquele, tão largo, tão imponente? Não me respondes? Trouxeste-me até aqui com o firme propósito de me sacudires a inspiração. Claro que sim, foi isso mesmo. Mostras-me os teus novos truques de alma nómada para me impressionar.

Quando jovem, Isilda passava as segundas-feiras de manhã na igreja do bairro, a ajudar na limpeza da sacristia. O padre Anacleto agradecia. Às terças-feiras servia refeições aos idosos nos lares, e ajudava, sempre que podia, nas entregas e visitas ao domicílio que eram organizadas pela paróquia. O padre Anacleto agradecia. Às quartas-feiras promovia reuniões com voluntários, na diocese, para organizar atividades de apoio às crianças e jovens desfavorecidos. O padre Anacleto agradecia. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias, dava aconselhamento a jovens acerca de planeamento familiar com mais duas caridosas voluntárias. O padre Anacleto agradecia. Às sextas-feiras, ajudava a recolher e a separar roupa usada que era oferecida pelos fiéis devotos, com outras duas caridosas voluntárias, na igreja do bairro. O padre Anacleto agradecia. Ao sábado, visitava a casa do prior, homem lindo, que nunca devia ter seguido a vocação, e que com ela se satisfazia, enquanto Isilda gemia, gritava e chorava de prazer. O padre Anacleto agradecia. Depois lavava-a, penteava, acariciava-a por longos minutos, como se assim ficasse esquecido o pecado vergonhoso que o obrigou a ser um escravo da impureza. - Que o senhor me faça louco, cego e delirante, que me castigue, mas que não me leve a tua pele macia e olhos doces, o teu hálito frutado, a tua candura. – repetia, vezes sem fim, enquanto a secava. Ao domingo, Isilda descansava, e o padre Anacleto agradecia.

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