Dona Isilda está a chegar à estação. A multidão age
como se fizesse parte de uma mesma família. Tanto barulho! As obras à entrada
multiplicam-se uma eternidade, duram uma eternidade. A idosa foi a última a
sair do autocarro. Não gosta de pressas, tem receio de ser empurrada, ou pior,
que alguém a roube. Anda por ai tanta malandragem à solta, e ainda vai ser mais
complicado daqui para a frente, diz para os seus botões.
São quase nove e meia da manhã. Alguns pedintes
encontram-se sentados à entrada da estação. Um deles, com ar bastante
debilitado, estende-lhe a mão. Isilda recua, por instinto, arrependendo-se
quase de imediato.
- Homem de Deus, somos criaturas do Senhor! –desabafa,
meio para o ar, meio para o homem. Abre a carteira e encontra o porta moedas do
Rafael, ( que Deus guarde a sua alma em paz lá no céu ), e retira uma moeda de
dois euros que entrega ao mendigo.
O homem tosse muito, enquanto tosse tapa a boca com o
braço direito, e agradece fazendo um pequeno gesto com a mão.
O barulho das obras intensifica-se, mistura-se com o
dos autocarros, automóveis e táxis que circulam aqui perto. Isilda não aprecia
confusões, nem gosta de ver assim a miséria espalhada pelas ruas da cidade. A
sirene de uma viatura do I.N.E.M. rasga o ar, e atrás dela correm dois carros
da polícia, aumentando o volume da cidade. Mais um acidente, e este, pelos
vistos, mais grave do que o outro do início da manhã.
- Doidos, são uns doidos a andar na estrada. Outro
acidente! As pessoas conduzem sem cuidado nenhum, essa é que é a realidade.
Hoje em dia, ninguém tem cuidado a andar na estrada.
As informações dos horários dos comboios, partidas,
chegadas, e linhas, ali estão. Um comboio acabou de sair às nove e vinte e
oito. O próximo sairá às nove e quarenta, com destino a Cascais, local escolhido
por Isilda para passar um dia diferente. Compra o bilhete, descobre a linha, o
comboio, a carruagem, e um lugar que lhe permita olhar o Tejo durante a viagem,
como desejava.
Vai entretendo os dedos com a rede de prata do
porta-moedas de Rafael. Discutia muito com ele, chamava-lhe atenção para tantas
coisas, todas elas, a maior parte delas, sem importância nem significado.
Parece ter sido apenas ontem, e já passaram oito anos desde que faleceu.
O comboio arranca.
A menina de saia curta, cabelo longo e alaranjado,
headphones nas orelhas, senta-se a seu lado com um sorriso de metal.
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