sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A LIÇÃO



Afonso sofre um tremendo aperto no peito. Já não sente amor pela mulher. A paixão acabou, partiu como os pássaros migram para onde o instinto lhes comanda, como as ondas, as marés, como os ventos ou a chuva que o acarinha. Desassossegados, falaram os dois com uma angústia tão forte que se sentiram insetos. Olhou para o rosto da “sua” Sofia. Já não era a mesma por quem se tinha apaixonado. Evitou uma lágrima, fustigou o peito e a voz, deixou segredos antigos iluminarem-lhe a memória. Um castigo! Não sente remorsos, nem culpa. A vida entregou-lhe outra paixão, sem vergonha nem sombra de pecados.
- Pai, é mesmo verdade que tu e a mãe se vão separar? – pergunta Tiago de playstation nas mãos. O miúdo aperta-a com força, gostava de poder comandar o pai e a mãe com aqueles botões. Fariam parte de um jogo que ele pudesse controlar.
- Já não gostam mais um do outro, pai? Foi por causa daquilo que eu fiz no outro dia?
Afonso rebenta, sente os órgãos despedaçarem-se em biliões de átomos. Deseja ser céu, uma nuvem, o vento, a matéria negra por onde as galáxias flutuam na dimensão infinita do universo.
Põe as mãos geladas nas bochechas do filho. Estão húmidas e mornas.
- Não chores, Tiago! Não tens culpa nenhuma do que se está a passar! São coisas de adultos, coisas que nem os adultos conseguem explicar. É muito importante que entendas que não tens culpa nenhuma, absolutamente nenhuma.
Sofia escutou parte da conversa e intervém, agressiva.
- Ainda aí estás? Porque é que não te foste embora? Deixa o miúdo em paz!
Tiago não para de chorar. Um rio desce-lhe a cara de criança assustada, como se o mundo tivesse acabado ali, naquele instante.
- Eu já estava de saída! – responde Afonso. – Estava mesmo de saída.
A playstation voou, furiosa, como um relâmpago abençoado, e estilhaçou o vidro da janela da sala. Desapareceu em direção ao desconhecido.
Sofia e Afonso pararam. Ficaram transformados em estátuas de sal a olhar o filho.
Tiago não desejava crescer mais depressa do que era suposto. Queria ver os pais amarem-se para sempre como nas histórias dos seus heróis.
A vida é como as árvores, como o céu, como a noite, como os ventos gelados que chegam do norte, como as monções peregrinas dos vales indianos.
A vida nem sempre é um livro com final feliz, e teve pressa em lhe ensinar esta lição.

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