terça-feira, 15 de janeiro de 2013

NÃO ESCREVER É O MESMO QUE ESTAR MORTO




Estou sozinho, envolvido com esta angústia, esta terrível falta de inspiração. Nenhuma técnica me salva. Escrever, sempre, todos os dias. Mas como, e para quê se nada do que escrevo tem interesse. Escuto as paredes da sala, a luz que entra pela janela, as vozes dos que passam lá fora, o ruído, repetitivo, do ponteiro do relógio merdoso que me enlouquece cada dia mais um pouco. Olho as nuvens passageiras, os tectos dos edifícios, as paredes dos prédios que guardam histórias em cada centímetro quadrado. Escuto os ruídos, todos os ruídos, as conversas idiotas e banais de todos os dias, e nada. Pego num, em dois, em três livros da estante para tentar encontrar caminhos, um rumo, uma linha, um raciocínio. Um muro espesso, alto e cinzento barra-me as palavras. Quanto mais procuro, mais se afastam, como os destinos dos sonhos, que fogem a cada passo. Detesto a planificação inicial, montar locais, antecipar personagens, rumos ou sinopses do que irá acontecer. Imaginava, como nas histórias anteriores, que alguém me iria contar esta que agora procuro iniciar. Só que isso não está a acontecer. Desprezo por completo a planificação, qualquer tipo de planificação. Este ano novo chegou seco, um deserto, areias milenares toldam-me a inspiração, impedem-me de criar. Tentei correr, caminhar, dar longos passeios na tentativa de encontrar um ponto de equilíbrio, uma centelha que me devolvesse a euforia da criatividade, que me devolvesse o seu movimento. Escrever é a mais difícil das tarefas, e é a minha forma de vida. Em breve terei notícias das palavras, pode ser que resolvam regressar. Ninguém vai escrever por mim, mas estou esperançado que os meus contadores de histórias não me tenham abandonado de vez. Sento-me, escrevo, e nada acontece. Puxaria os cabelos da puta da musa se soubesse onde a vadia se esconde. Batia-me à porta todas as manhãs, quase sempre à mesma hora. Deixou de saber o número, a rua onde vivo, a cidade em que habito, e tomou a decisão consciente de abandonar-me. Sou um profissional de trampa que nem sabe escrever. Não sei sobre o que escrever, e a única razão porque escrevo, é porque tenho de comer.
- Uma bela merda de discurso, sim senhor. Deve ter sido alguma coisa que bebeste hoje ao pequeno-almoço. Então só escreves porque tens de comer? Se é essa a razão que te faz correr, pensa em arranjar outra profissão. Que grande parvo! Gostava de saber o que me terá trazido até aqui. Dizem-me que tenho de te ajudar a construir a obra. Não sei como. Aliás, esta coisa de estar morto tem muito o que se lhe diga. Preciso de me conformar com a ideia. Passaram poucos minutos. Ainda estou a digerir a informação.
O morto terá vindo para ficar? E continua a ler-me os pensamentos. A sua presença é forte. O que terá levado este homem a matar-se desta maneira?
- Boa pergunta, ó poeta, muito boa pergunta. Vais ver que, com essa inteligência, não chegas a velho.

Sem comentários:

Enviar um comentário