Estou sozinho, envolvido com esta angústia, esta
terrível falta de inspiração. Nenhuma técnica me salva. Escrever, sempre, todos
os dias. Mas como, e para quê se nada do que escrevo tem interesse. Escuto as
paredes da sala, a luz que entra pela janela, as vozes dos que passam lá fora,
o ruído, repetitivo, do ponteiro do relógio merdoso que me enlouquece cada dia
mais um pouco. Olho as nuvens passageiras, os tectos dos edifícios, as paredes dos
prédios que guardam histórias em cada centímetro quadrado. Escuto os ruídos,
todos os ruídos, as conversas idiotas e banais de todos os dias, e nada. Pego num,
em dois, em três livros da estante para tentar encontrar caminhos, um rumo, uma
linha, um raciocínio. Um muro espesso, alto e cinzento barra-me as palavras.
Quanto mais procuro, mais se afastam, como os destinos dos
sonhos, que fogem a cada passo. Detesto a planificação inicial, montar locais,
antecipar personagens, rumos ou sinopses do que irá acontecer. Imaginava, como
nas histórias anteriores, que alguém me iria contar esta que agora procuro
iniciar. Só que isso não está a acontecer. Desprezo por completo a planificação,
qualquer tipo de planificação. Este ano novo chegou seco, um deserto, areias
milenares toldam-me a inspiração, impedem-me de criar. Tentei correr, caminhar,
dar longos passeios na tentativa de encontrar um ponto de equilíbrio, uma
centelha que me devolvesse a euforia da criatividade, que me devolvesse o seu
movimento. Escrever é a mais difícil das tarefas, e é a minha
forma de vida. Em breve terei notícias das palavras, pode ser que resolvam
regressar. Ninguém vai escrever por mim, mas estou esperançado que os meus
contadores de histórias não me tenham abandonado de vez. Sento-me, escrevo, e
nada acontece. Puxaria os cabelos da puta da musa se soubesse onde a vadia se
esconde. Batia-me à porta todas as manhãs, quase sempre à mesma hora. Deixou de
saber o número, a rua onde vivo, a cidade em que habito, e tomou a decisão
consciente de abandonar-me. Sou um profissional de trampa que nem sabe escrever.
Não sei sobre o que escrever, e a única razão porque escrevo, é porque tenho de
comer.
- Uma bela merda de discurso, sim senhor. Deve ter sido
alguma coisa que bebeste hoje ao pequeno-almoço. Então só escreves porque tens
de comer? Se é essa a razão que te faz correr, pensa em arranjar outra
profissão. Que grande parvo! Gostava de saber o que me terá trazido até aqui.
Dizem-me que tenho de te ajudar a construir a obra. Não sei como. Aliás,
esta coisa de estar morto tem muito o que se lhe diga. Preciso de me conformar
com a ideia. Passaram poucos minutos. Ainda estou a digerir a informação.
O morto terá vindo para ficar? E continua a ler-me
os pensamentos. A sua presença é forte. O que terá levado este homem a matar-se
desta maneira?
- Boa pergunta, ó poeta, muito boa pergunta. Vais ver
que, com essa inteligência, não chegas a velho.
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