Os congressos são uma chatice, e
dão um trabalho dos diabos. É uma canseira, a que se soma este surto que não
deixa ninguém parado. Rogério não tem tempo para nada. Esquece-se das
refeições, almoça dois cigarros para abanar a rotina, depois de um café, e
quase não vê os miúdos. Madalena, quando chega janeiro, aflora de mansinho a
data que ele sempre esquece. Este ano são quinze anos de casados. Para onde
foram, como desapareceram tão rapidamente? Uma merda, é o que é! Sempre sonhou
ser astronauta, ou então engenheiro naval. A família dizia que o menino tinha
de ser médico, e só ficou satisfeita quando o filho mais novo do doutor
Sepúlveda acabou por fazer-lhe a vontade. Antes dele, torraram da mesma forma a
paciência as dois irmãos. Alexandre, o mais velho, fugiu para a Venezuela no
início dos anos noventa, e a coisa ainda hoje não está bem esclarecida entre
ele e os pais, com quem mantém contactos furtuitos duas ou três vezes por ano.
O pior foi o Zé Paulo, que acabou por se revelar o mais fraco e permissivo dos
três, até que a corda explodiu de maneira cruel.
Rogério recorda vezes demais os
episódios tristes que quase levaram o irmão à loucura. - O universo é um local
violento. – dizia o Zé Paulo. – Somos seres conscientes mas não entendemos o
esquema que nos rege, e a sua complexidade. Teorias, fórmulas, milhares de
milhões de estrelas observáveis, e é nas árvores e no céu que, segundo ele, se encontram
encriptados os ritmos matemáticos com infinita precisão. O caos e a irregularidade
deram-nos a existência e moldaram-nos conforme somos. As leis que tudo comandam
não são assim tão engenhosas. – insistia. - Esta afinação delicada tem como
papel encobrir o que, na realidade, importa. Uma obra vastíssima, um número
incompreensível de universos paralelos, impossíveis de decifrar ou compreender,
encontram-se algures colados a esta outra obra, ligados apenas pelo cálculo matemático
da absurda e improvável hipótese estatística. Foi fácil gerar uma multitude de universos,
se um só foi assim criado, e a teoria final acabará por nos levar até ao mais profundo
dos níveis de conhecimento. – repetia vezes sem conta, para, no fim, me questionar.
- Quantas são as dimensões invisíveis de quem somos, do que somos, e de tudo aquilo
que nos rodeia?
José Paulo dizia-se capaz de conseguir
detetar as mais pequenas variações das dimensões de todos os universos. O pior é
que, para o fazer, para decifrar as suas variações, para sentir todas essas vibrações,
despia-se e caminhava nu pela “superfície” do nosso universo, fisicamente inacessível
aos restantes. Aproximava-se e deixava-se “arrastar” para essas outras dimensões,
como tantas vezes lhes chamava. Numa dessas viagens, caminhou nu até ao quarto dos
pais, apertou o pescoço de Sepúlveda e quase o matou.
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