terça-feira, 15 de janeiro de 2013

AUGUSTO



Augusto trabalhava de sol a sol, quase arrancava os dedos das mãos, as mãos dos braços e os braços do corpo com tanto esforço. A terra não se compadecia com agruras, cansaços ou doenças, precisava sempre de quem a amanhasse. Tinha de se sentir arejada e limpa. Depois era preciso gradear tudo para espalhar as sementes do trigo e do centeio, andar com sacos de mais de quinze quilos às costas, talhar com os olhos uma courela até que todo o terreno estivesse coberto. Lavrar bem a terra, duas, três vezes, a intervalos regulares, comandar a junta de bois, com o arado, rego a rego ir enterrando as sementes e ter o cuidado de preparar linhas de água, não fossem as chuvas dar cabo do trabalho. Depois das sementeiras seguia-se a monda. Ter um bom controlo dos animais, e firmeza a comandar a rabiça do arado, não fosse este arrancar o que não devia, e depois com um sacho, sachar, e com a faca, cortar. Ele e os irmãos andavam por ali a aprender, com o pai, a aproveitar todos os pedaços do terreno, e de enxada na mão cavavam as marradas, e o milagre lá acontecia. Ainda hoje lhe é difícil entender como se esventravam aquelas terras e delas se retirava a sobrevivência, com ímpar honraria, e todos, mal ou bem, lá se acabaram por criar.
Voar é bom para os pássaros, e viajar de avião é coisa do diabo. Um medo, um nervoso miudinho quase o matava durante o regresso. Custou-lhe respirar, nunca se sentira assim. O mundo desaparecia, e regressava, em imagens retorcidas, mas o orgulho impediu-o de dar conta disso e quase desfaleceu antes da aterragem. Para lá, não se recorda da viagem. Desligou essa memória, tal o pesadelo da experiência. Estava mais alto que as nuvens, mais alto que o monte, a montanha e as serras. Coisa alguma devia poder passear por ali, só Deus e o Demónio, mais ninguém. Mas tinha de ser, este ano assim teve de acontecer. De Paris, daqueles arredores cheio de silêncios, de vidas sofridas, de sonhos por concretizar, regressa com a alma ainda mais cansada.

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