Augusto trabalhava de sol a sol, quase arrancava os
dedos das mãos, as mãos dos braços e os braços do corpo com tanto esforço. A terra
não se compadecia com agruras, cansaços ou doenças, precisava sempre de quem a
amanhasse. Tinha de se sentir arejada e limpa. Depois era preciso gradear tudo
para espalhar as sementes do trigo e do centeio, andar com sacos de mais de
quinze quilos às costas, talhar com os olhos uma courela até que todo o terreno
estivesse coberto. Lavrar bem a terra, duas, três vezes, a intervalos
regulares, comandar a junta de bois, com o arado, rego a rego ir enterrando as
sementes e ter o cuidado de preparar linhas de água, não fossem as chuvas dar
cabo do trabalho. Depois das sementeiras seguia-se a monda. Ter um bom controlo
dos animais, e firmeza a comandar a rabiça do arado, não fosse este arrancar
o que não devia, e depois com um sacho, sachar, e com a faca, cortar. Ele e os
irmãos andavam por ali a aprender, com o pai, a aproveitar todos os pedaços do
terreno, e de enxada na mão cavavam as marradas, e o milagre lá acontecia. Ainda
hoje lhe é difícil entender como se esventravam aquelas terras e delas se retirava
a sobrevivência, com ímpar honraria, e todos, mal ou bem, lá se acabaram por
criar.
Voar é bom para os pássaros, e viajar de avião é
coisa do diabo. Um medo, um nervoso miudinho quase o matava durante o
regresso. Custou-lhe respirar, nunca se sentira assim. O mundo desaparecia, e
regressava, em imagens retorcidas, mas o orgulho impediu-o de dar conta disso e
quase desfaleceu antes da aterragem. Para lá, não se recorda da viagem.
Desligou essa memória, tal o pesadelo da experiência. Estava mais alto que as
nuvens, mais alto que o monte, a montanha e as serras. Coisa alguma devia poder
passear por ali, só Deus e o Demónio, mais ninguém. Mas tinha de ser, este ano assim
teve de acontecer. De Paris, daqueles arredores cheio de silêncios, de vidas
sofridas, de sonhos por concretizar, regressa com a alma ainda mais cansada.
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