terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O PESO DO PASSADO


O sol carrega aos ombros o peso do passado para que o nosso planeta não desista, o presente não se enfureça e o futuro não se iluda.
Os olhos do mundo dependem da luz do astro-rei para verificarem quão mentirosa é a realidade, e as árvores nunca o esquecem. Quanto a noite cai, elas seguem a lua que acorda enquanto o irmão de fogo se entretém a iluminar a outra metade do planeta.
O mar estava feroz naquela madrugada de verão. A mãe de Helen não a viu, apenas a sentiu quando ela já pedia, por favor, para que as duas regressassem a casa. O sol, ao acordar, trazia os ombros doridos de tanto trabalho. Helen sempre adorou a força do sol, e prefere o calor aos dias rigorosos do inverno irlandês. Ela não aprecia reviver o passado, e gostaria que a sua música pudesse ajudar a domesticar este caos inacreditável ao ponto de o conseguir transfigurar. Os timbres são difíceis de decifrar mas, ao interpretá-los, a pianista cria notas enigmáticas e maravilhosas com que faz crescer a sua obra. Imaginação, imaginação e arte, muita arte, têm sido as armas fundamentais com que Helen clarifica os sons escondidos nos silêncios e compõe a sua melodia maior.

Zé Paulo decide telefonar ao irmão. O telemóvel escorrega-lhe das mãos.
Quer informá-lo do que se passou com a sua vizinha da frente, contar-lhe acerca do acidente e de como ela escapou ilesa, apenas com ligeiros ferimentos. O universo alterou-se ao equacionar outras variáveis e outros possíveis resultados finais. Acabou por projetar aquele rumo para que Sofia pudesse reaprender a viver.
Tudo aconteceu como naquela madrugada que os irmãos gostariam de conseguir esquecer. Zé Paulo adivinhou partes do acontecimento sem que o pudesse evitar. Ficou preparado para os receber, deles foi informado com visível estranheza.
- Estás, és tu mano? Sim, desculpa estar outra vez a incomodar, mas tu disseste-me para eu te avisar quando voltasse a acontecer. Sim, Rogério, nem mais, hoje tive certeza quase absoluta do que ia acontecer à Sofia, a minha vizinha da frente. Vi com clareza um acidente onde ela estaria envolvida, na sequência de um despiste, com um aparatoso embate frontal. E adivinha, foi mesmo isso que lhe aconteceu! Os universos alinharam-se como naquela noite, Rogério. Mais uma vez consegui entender o que ainda não tinha acontecido. Continuas a achar que é impossível, que sou apenas vítima da minha grande imaginação? Não te preocupes que eu não conto isto a mais ninguém. Chamar-me-iam de doidinho, como tu e a Madalena me julgam, não é verdade, Rogério? Que culpa tenho eu de conseguir detetar estas folgas nos universos? Adeus, um abraço, talvez volte a ligar-te mais tarde. Dá um beijo à Madalena, eu sei que ela está aí contigo a escutar a conversa, caso contrário já me terias dito para parar de dizer estes disparates. Um abraço, mano, e até logo.


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