O sol carrega aos ombros o peso do passado para que o nosso planeta não desista, o presente não se enfureça e o futuro não se iluda.
Os olhos do mundo dependem da luz
do astro-rei para verificarem quão mentirosa é a realidade, e as árvores nunca
o esquecem. Quanto a noite cai, elas seguem a lua que acorda enquanto o irmão
de fogo se entretém a iluminar a outra metade do planeta.
O mar estava feroz naquela
madrugada de verão. A mãe de Helen não a viu, apenas a sentiu quando ela já
pedia, por favor, para que as duas regressassem a casa. O sol, ao acordar,
trazia os ombros doridos de tanto trabalho. Helen sempre adorou a força do sol,
e prefere o calor aos dias rigorosos do inverno irlandês. Ela não aprecia
reviver o passado, e gostaria que a sua música pudesse ajudar a domesticar este
caos inacreditável ao ponto de o conseguir transfigurar. Os timbres são
difíceis de decifrar mas, ao interpretá-los, a pianista cria notas enigmáticas
e maravilhosas com que faz crescer a sua obra. Imaginação, imaginação e arte,
muita arte, têm sido as armas fundamentais com que Helen clarifica os sons escondidos
nos silêncios e compõe a sua melodia maior.
Zé Paulo decide telefonar ao irmão.
O telemóvel escorrega-lhe das mãos.
Quer informá-lo do que se passou
com a sua vizinha da frente, contar-lhe acerca do acidente e de como ela
escapou ilesa, apenas com ligeiros ferimentos. O universo alterou-se ao
equacionar outras variáveis e outros possíveis resultados finais. Acabou por projetar
aquele rumo para que Sofia pudesse reaprender a viver.
Tudo aconteceu como naquela
madrugada que os irmãos gostariam de conseguir esquecer. Zé Paulo adivinhou
partes do acontecimento sem que o pudesse evitar. Ficou preparado para os
receber, deles foi informado com visível estranheza.
- Estás, és tu mano? Sim, desculpa
estar outra vez a incomodar, mas tu disseste-me para eu te avisar quando
voltasse a acontecer. Sim, Rogério, nem mais, hoje tive certeza quase absoluta
do que ia acontecer à Sofia, a minha vizinha da frente. Vi com clareza um
acidente onde ela estaria envolvida, na sequência de um despiste, com um
aparatoso embate frontal. E adivinha, foi mesmo isso que lhe aconteceu! Os
universos alinharam-se como naquela noite, Rogério. Mais uma vez consegui entender
o que ainda não tinha acontecido. Continuas a achar que é impossível, que sou apenas
vítima da minha grande imaginação? Não te preocupes que eu não conto isto a mais
ninguém. Chamar-me-iam de doidinho, como tu e a Madalena me julgam, não é verdade,
Rogério? Que culpa tenho eu de conseguir detetar estas folgas nos universos? Adeus,
um abraço, talvez volte a ligar-te mais tarde. Dá um beijo à Madalena, eu sei que
ela está aí contigo a escutar a conversa, caso contrário já me terias dito para
parar de dizer estes disparates. Um abraço, mano, e até logo.
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