terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

ETELVINA


A carne é fraca.
Quando tudo deixa de fazer sentido, até as flores perdem a cor e o perfume.
Augusto não consegue deixar de pensar naquele dia em que ele e o Xico Penedas perderam a razão.
No mundo inteiro não existia uma mulher igual a Etelvina.
As esposas da aldeia andavam em constante sobressalto pois a beleza daquela mulher não lhes permitia descanso. Mas ninguém podia imaginar um semelhante ato de loucura. O Penedas transfigurou-se, estava literalmente cego de ciúmes quando avançou para cima de Etelvina, e foi por muito pouco que não a matou. Assim que o Augusto lhe pôs as mãos em cima, tudo deixou de fazer sentido. Ainda hoje ele não consegue explicar de onde lhe veio tanta força e coragem. Quando acabou de o maltratar, o Xico Penedas estava irreconhecível e parecia condenado a uma morte certa. Foi Etelvina quem o acudiu. Tratou imediatamente de o lavar, trouxe-lhe água da ribeira e acalmou o homem antes da chegada do doutor. Aquilo era uma coisa feia de se ver. Se ela tivesse gritado três segundos mais tarde, ele não teria sobrevivido à fúria do Augusto.
As mulheres podem levar os homens à loucura, e eram muitos os que andavam perdidos de amor por Etelvina, e outros tantos não resistiam aos seus dotes provocantes. Ela não era uma mulher igual às outras, não se regia pelas mesmas normas, nem as respeitava. Fazia somente o que entendia, com quem entendia, obedecia apenas às suas vontades, doesse a quem doesse, e assim procedeu durante a maior parte da sua existência. Gerou invejas e muitos ódios, invejas e ódios tão grandes que um qualquer mortal seria incapaz de os suportar, mas era deles que ela se alimentava, e sorria ao ter conhecimento das injúrias, das más-línguas, dos relatos e das histórias que dela contavam. Ninguém parecia ser capaz de a vergar ou de a fazer mudar. Enquanto os homens, e os que aspiravam a tornar-se homens, ambicionassem passar um dia com ela, Etelvina podia continuar a viver ao sabor da sua liberdade.
Uma mulher destas seria sempre uma constante fonte de problemas, vivesse ela numa aldeia perdida do interior do concelho de Montalegre ou na cosmopolita capital do país. Foi aí que a história quase se repetiu com a sua filha Isilda, mas com contornos bem menos perversos. A sua rara beleza e sensualidade, aliadas ao perfume irresistível da tentação, conseguiram abalar o coração de um jovem pároco pelo qual Isilda também se apaixonou.
Etelvina, sua mãe, nunca se apaixonou.
Os homens eram os seus brinquedos, e ela adorava controlá-los.
A carne é fraca.
Naquele dia trágico, naquele dia em que as coisas se complicaram para lá do imaginável, o mundo perdeu as cores e todos os perfumes.
Naquele dia trágico, o mundo deixou de fazer sentido, e quando tudo deixa de fazer sentido, até as flores perdem a cor e o perfume.
Augusto não consegue deixar de pensar naquele dia, e jamais irá esquecer o sabor amargo e doce da deslumbrante Etelvina.

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