A carne é fraca.
Quando tudo deixa
de fazer sentido, até as flores perdem a cor e o perfume.
Augusto não
consegue deixar de pensar naquele dia em que ele e o Xico Penedas perderam a
razão.
No mundo inteiro não
existia uma mulher igual a Etelvina.
As esposas da
aldeia andavam em constante sobressalto pois a beleza daquela mulher não lhes permitia
descanso. Mas ninguém podia imaginar um semelhante ato de loucura. O Penedas
transfigurou-se, estava literalmente cego de ciúmes quando avançou para cima de
Etelvina, e foi por muito pouco que não a matou. Assim que o Augusto lhe pôs as
mãos em cima, tudo deixou de fazer sentido. Ainda hoje ele não consegue
explicar de onde lhe veio tanta força e coragem. Quando acabou de o maltratar,
o Xico Penedas estava irreconhecível e parecia condenado a uma morte certa. Foi
Etelvina quem o acudiu. Tratou imediatamente de o lavar, trouxe-lhe água da
ribeira e acalmou o homem antes da chegada do doutor. Aquilo era uma coisa feia
de se ver. Se ela tivesse gritado três segundos mais tarde, ele não teria
sobrevivido à fúria do Augusto.
As mulheres podem
levar os homens à loucura, e eram muitos os que andavam perdidos de amor por
Etelvina, e outros tantos não resistiam aos seus dotes provocantes. Ela não era
uma mulher igual às outras, não se regia pelas mesmas normas, nem as
respeitava. Fazia somente o que entendia, com quem entendia, obedecia apenas às
suas vontades, doesse a quem doesse, e assim procedeu durante a maior parte da
sua existência. Gerou invejas e muitos ódios, invejas e ódios tão grandes que
um qualquer mortal seria incapaz de os suportar, mas era deles que ela se
alimentava, e sorria ao ter conhecimento das injúrias, das más-línguas, dos
relatos e das histórias que dela contavam. Ninguém parecia ser capaz de a
vergar ou de a fazer mudar. Enquanto os homens, e os que aspiravam a tornar-se
homens, ambicionassem passar um dia com ela, Etelvina podia continuar a viver
ao sabor da sua liberdade.
Uma mulher destas
seria sempre uma constante fonte de problemas, vivesse ela numa aldeia perdida
do interior do concelho de Montalegre ou na cosmopolita capital do país. Foi aí
que a história quase se repetiu com a sua filha Isilda, mas com contornos bem
menos perversos. A sua rara beleza e sensualidade, aliadas ao perfume
irresistível da tentação, conseguiram abalar o coração de um jovem pároco pelo
qual Isilda também se apaixonou.
Etelvina, sua
mãe, nunca se apaixonou.
Os homens eram os
seus brinquedos, e ela adorava controlá-los.
A carne é fraca.
Naquele dia
trágico, naquele dia em que as coisas se complicaram para lá do imaginável, o mundo
perdeu as cores e todos os perfumes.
Naquele dia trágico,
o mundo deixou de fazer sentido, e quando tudo deixa de fazer sentido, até as
flores perdem a cor e o perfume.
Augusto não
consegue deixar de pensar naquele dia, e jamais irá esquecer o sabor amargo e doce
da deslumbrante Etelvina.
Sem comentários:
Enviar um comentário