quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A OBRA À DERIVA



- É como te digo, Lopes, eu quero as minhas palavras de volta. Se eu parar as vozes desaparecem. As personagens morrem um pouco de cada vez que eu não escrevo. Ficam perdidas, desencontradas. Tenho de recuperar o tempo perdido. Enquanto a caneta escrevia e balançava, a minha cabeça vagueava, andava perdida num turbilhão de ideias, e nada acontecia. As palavras ocorriam vazias, banais. Onde estavam as minhas vozes? Julguei enlouquecer, até que surgiu um amigo invisível que me ajudou a encontrá-las. Com o seu auxílio iniciei a reconstrução da minha obra. Agora vou percorrer novos caminhos. Se parei foi porque senti necessidade, e sei que isso não devia ter acontecido. Vou escrever, um pouco, todos os dias, essa é a promessa. Antes, nem sempre era possível. As cidades abafavam-me a criatividade, e impediam a reunião dos silêncios necessários ao ato da escrita. Não conseguia distinguir que acontecimentos eram sonho ou realidade. O sal da vida atravessou as ruínas do meu passado onde os destinos se cruzaram, e eu tentei encontrar as personagens no meio desses escombros. Tentei escrever mas sem sucesso. Eram tantos os ruídos à minha volta, tantas interferências, tantos sons. Deram origem a centenas de princípios, e a demasiadas obras à deriva, mas desta vez, acabou! A história não ficará por contar, e tudo acabará por acontecer.


Antes que a vida se afunde, Sofia pega o Tiago pela mão.
A professora foi chamá-lo à sala. Quando chegaram, encontraram a  mãe à espera, sentada no gabinete de atendimento. O Tiago era a sua única certeza. Com um sorriso limitou-se a dizer:
- Dá-me a mão, filho, vamos para casa. A mãe está bem, foi apenas um susto. O carro derrapou e saiu para fora da estrada. Fiz estes pequenos arranhões, Tiago, e nada mais, por isso resolvi vir buscar-te mais cedo. O carro foi para a oficina. Temos de voltar para casa de autocarro. É só hoje, Tiago, já falei com a tua professora.
O menino não esperava vê-la ali, quanto mais assim com o coração a bater tanto e com a vida toda desmontada.
Em resposta, pegou na mochila e segurou a mão da mãe, que continuava a sorrir e deu-lhe um abraço carinhoso.
- Obrigado, mãe, muito obrigado por me teres vindo buscar. E não te preocupes que eu vou tomar conta de ti.
Os dois saem da escola de mãos dadas, confiantes no que o futuro tem para lhes oferecer.
O vento sopra em todas as direções, rodopia, leva tudo pelos ares com facilidade. Descobre onde habitam os silêncios e rouba-lhes a parca esperança.
O tempo é uma incógnita.
O escritor não estava à espera destas palavras, nem desta história.
Ninguém sabe, verdadeiramente, que histórias nos estão reservadas.

O frio e a chuva são uma constante, o inverno entranhou-se nos ossos de todas as melodias. Helen toca, continua a tocar, e os sons da estação passam a fazer parte da melodia.
Regressam as palavras por entre as nuvens. As marés estão mais calmas, o vento dá tréguas e o azul pinta o céu nos intervalos da neblina.
 

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