Muitos voos foram desviados para o Porto, outros para o terminal militar de
Figo Maduro, e outros ainda tiveram como destino o aeroporto de Faro. Até
ordens em contrário, mais nenhum avião aterrará hoje no aeroporto de Lisboa. Os
helicópteros passam por cima da ponte na trajetória que os grandes pássaros de
metal usam para se fazerem à pista da Portela.
Depois de amanhã já ninguém se lembrará deste atribulado início de dia.
A Rita é solicitada pelos agentes da P.S.P. enquanto o Rodrigo se entretém
com os seus desenhos animados preferidos.
- Sim, senhor agente, eram mais as noites passadas em sobressalto do que as
outras. Um dia deparámo-nos com os pneus do carro todos furados, e logo
suspeitámos desse tal Armando. A coitada da menina Carla não devia ter uma vida
nada fácil com esse homem, mas longe de nós a ideia de lhe poder vir a
acontecer uma coisa assim. Mas como dizem os antigos, quem semeia os ventos,
colhe as tempestades. O certo é que desde que esse sujeito começou a frequentar
o nosso prédio, deixámos de ter tranquilidade e até se instalou algum medo. Ele
trazia para cá indivíduos de aspeto muito duvidoso e tão assustadores como ele.
Começámos a ter algum receio de os encontrar nos pátios e nos elevadores. Eles
não eram pessoas de bem, senhor agente, e até houve quem se queixasse de terem
chegado a intimidar as crianças.
Os polícias agradeceram, anotaram tudo num pequeno bloco de apontamentos e
desceram as escadas de serviço para o piso inferior, dando continuidade à
investigação.
- Quem era, mãe? Com quem estiveste a conversar este tempo todo? – pergunta
o Rodrigo enquanto mastiga uma banana.
- Nada, não te preocupes rapaz. Eram apenas uns senhores que vieram ao
prédio realizar um inquérito. São coisas sem importância. Deixa-te estar aí
entretido com os teus desenhos animados que eu daqui a pouco volto a tirar-te a
febre. Pode ser que o medicamento já esteja a fazer efeito.
A Rita está preocupada. É a quinta vez que tenta falar com o marido e ele
não atende. Deve ter deixado o telemóvel na carrinha enquanto faz as instalações.
Lá se deve ter distraído, mas isso nem parece coisa dele. O Rodrigo está
melhor, deixou de estar tão corado e espirra menos.
O hospital atingiu o ponto de rutura. Rogério tinha dado ordens para que só
mesmo os casos extremos fossem aceites nos serviços de urgência, mas o caos já
se tinha instalado muito antes dessa sua instrução.
O caos é a ferramenta mais utilizada pelo universo para se conseguir
equilibrar. A proporção correta com que a utiliza é um dos mais bem guardados
segredos do cosmos.
Toda a matéria que nele existe podia deixar de existir, ficaríamos apenas
com este espaço vazio que tudo ocupa. E o que é um palco vazio senão o maior de
todos os palcos. É aí que o caos se ilumina numa luz com características muito
especiais e que caminha sempre à mesma velocidade. O caos imprevisto e absoluto
dança no vácuo espaço temporal como se fosse um elástico gigantesco, invisível,
flexível e eterno.
Segundo Zé Paulo, isto tudo não passa de uma metáfora enganadora. Então, e
o que acontece a tudo o que existe nas vizinhanças de um gigantesco buraco
negro? Esse será o local menos apropriado para ter ideias estranhas. Aí, nesse
lugar, tudo o que possa correr mal, corre sem falhas, e entendemos que o espaço
que nada é se comporta como coisa e assume características de coisa.
O vazio é tudo menos o nada!
O vazio é a razão de todo o movimento, de todo este caos e frenesim, e de todo
o caos e frenesim existente junto às mais remotas galáxias.
O espaço é o maior dos oceanos, é onde todas as partículas se movem de
maneiras distintas e a diferentes velocidades. Higgs sempre o soube! Afinal o
espaço, esse gigantesco vazio, é matéria.
O mais vazio e distante de todos os espaços vazios é tão caótico como
qualquer outro, e influencia o comportamento da matéria, influencia até o seu
próprio comportamento, daí ser tão caótica esta complicadíssima equação.
Qual o destino do cosmos?
Porque é que se expande, ainda hoje, este tremendo vazio? E será que se
expande à mesma velocidade de ontem, de anteontem? Será que se contrai?
- Tudo o que vemos e experimentamos pode muito bem ser um holograma, uma
cópia gigantesca elaborada por buracos negros astuciosamente semeados na
vastidão do cosmos. O espaço que conhecemos comporta-se de maneira idêntica no
interior e no exterior desses buracos negros, assim sendo, toda a realidade
pode muito bem ser apenas ilusão. Aquilo que nos habituámos a considerar como
sendo “a verdade” pode não passar de um gigantesco holograma, e tudo o que
somos mais não será que uma imagem holográfica nascida no centro dessa fábrica
do caos. “A verdade” é esta imagem mentirosa gerada pelas forças caóticas que
gravitam ao redor e no interior de imensos buracos negros semeados pelo
universo interminável.
O caótico universo conta com a ajuda e o domínio da energia escura para
continuar a acelerar e a expandir-se. O curioso, o verdadeiramente caótico e
curioso, é que ninguém ainda conseguiu explicar o que é esta força a que
chamamos de “energia negra”. Afastar as galáxias ainda mais umas das outras
parece ser a sua função, e esta força tanto pode ser constante como variar em função
do tempo. Zé Paulo reafirma que a ela se ficará a dever o caos absoluto e
poderoso que se encarregará de desintegrar o universo e todos os seus átomos.
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