Para ele escrever é como respirar. Ao faltarem as
palavras, falta-lhe o ar e tudo se torna insuportável. Os vendavais acompanham
a queda da neve e lançam pelos ares galhos, ramos e troncos. Aqui, neste lugar,
as vozes do escritor não se fazem escutar. O seu raciocínio torna-se pesado, o
cérebro entra numa letargia protetora, o mundo desacelera, o tempo abranda, os
sons tornam-se guturais, cavernosos, as sombras ficam disformes, ténues e
cinzentas. Os sonhos ficaram mais reais e tornaram-se tão verdadeiros,
transfiguraram-se de tal forma que sonho e realidade acabaram por se fundir.
Rui vive nesta cidade onde o mal habita e a esperança há muito deixou de
existir. A tempestade é tão gelada e real que os ossos estalam e a pele
enrijece. Cada companheiro de infortúnio é dono de histórias terríveis que o
mundo não tem como eternizar. Aqui tudo foi construído com o firme propósito de
perpetuar dor, angústia e sofrimento, e nem a estranha e súbita desaceleração
do tempo o consegue evitar. Nada disto existe, nada disto pode existir porque
não é possível tamanha violência, uma tão grande desumanização. Os prisioneiros
polacos começam a entoar uma música tradicional. A eles se juntam vozes
húngaras, checas e romenas. logo se fazem escutar cantores de outras nações que
também fazem questão de os acompanhar. Gregos, italianos, franceses, espanhóis
e alguns albaneses fazem agora parte do coro e entoam o mesmo refrão. O tempo,
que avança com lentidão, abranda ainda mais para melhor escutar a canção.
O que se passa nesta cidade, nesta camarata 72, é um
sonho, uma miragem, nada mais que pura ficção.
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