terça-feira, 5 de novembro de 2013

UM TEMPO ETERNO E FUGAZ



O cansaço toma conta de todos.
A revolta das palavras assoma o tempo desta vida.
Impotente, Isilda encosta o seu olhar por entre as sombras dos socalcos cansados que gostariam de a ter visto nascer. Ali se espraia a paisagem encantada, as ondas do mar imenso, a receita do tranquilo final de tarde, de quem bebe agora o pôr-do-sol. Escuta o cansaço, despe o cansaço na boleia das nuvens laranjas e azuis. Separa a vida da morte, separa a dor e a angústia de quem quer escrever e não encontra.
Os dois amantes deram as mãos, ofereceram o ato corajoso de sentir o mesmo, e beijaram-se. Olhos cerrados, lábios quentes, doces eram os beijos que os derretiam e salgavam. A fonte cedo secaria. O bispo não os deixaria em paz, as regras e princípios não o permitiriam, a vida não deixaria, torturava-os, mas nada disso lhes interessava naquele dia.
Isilda e Anacleto voltavam a ser um só. Este era o quarto sábado, e os seus corpos já se conheciam de cor, sabiam por onde as mãos viajavam, por onde os seios e as coxas se escondiam, e as pernas, e os cabelos, e todos os pelos se embriagavam naquele prazer pecador. Ali não se escutavam as palavras de poetas nem músicas celestiais. Os instantes eram vividos à parte do universo tumultuoso e ingrato onde os dois existiam.
Cedo as nuvens toldaram o céu, e chovia, e trovejava, e granizava. Os corpos sentiram o súbito arrefecimento, a pele estremeceu, o sangue vibrou e todos os sentidos se reuniram no lugar da tentação. Aquele não era mais o mesmo local, Isilda e Anacleto não eram os mesmos, deixaram de ser os mesmos quando trocaram olhares pela primeira vez. A voz e o rosto mudaram, o mundo mudou, mas tudo permanecia tão igual ao que já era.
Subindo a rua da Graça, passava-se junto à igreja, voltava-se à direita, descia-se a calçada e superados poucos metros, no adro, encontrava-se a entrada do domicílio de Anacleto. Os sonhos de ambos mantiveram-se ali resguardados por pouco tempo. As paredes tinham ouvidos, as ruas eram sufragadas por olhos atentos de beatas traiçoeiras, hostis e invejosas.
Regressaram aos lábios de cetim de sabor a mel, sabor a transpiração derramada em lençóis abandonados. O mundo parou lá fora para que se amassem como dois foragidos condenados a uma morte anunciada. Parou o vento, os pássaros deixaram de voar. Cantavam nas árvores frondosas do largo em frente à casa onde os amantes se abençoavam de corpos colados, doces e suados. Este era o tempo eterno e fugaz onde o sopro quente dos hálitos inebriados lhes aquecia a alma, dilacerava e esventrava todos os receios que pudessem existir. A Beira era para onde seguiam os sonhos que gostariam de ver cumpridos e tornar numa certeza. A Beira era tão longe, e tão perto dos seus corações. Viviam abrigados na incerteza da paixão oculta que os iria transformar.
Ninguém consegue escapar ileso a uma tão grande sensação de liberdade e de existência.

Sem comentários:

Enviar um comentário