As vidraças sujas deixaram passar uma luz intensa. O
sol conseguiu derreter as nuvens carregadas e cinzentas, e espreita
envergonhado.
As estrelas ao comunicar são interrompidas pelo imenso
vazio que as separa, pelo tempo e pela distância, e são incapazes de se fazerem
escutar. Zé Paulo não tem dúvida de que este é um daqueles dias em que as
estrelas falam consigo. Elas repetem a frequência com que cintilam e cantam
mensagens num comprimento de onda que só ele parece ser capaz de sintonizar. As
vibrações atingem-no, alteram-lhe o humor pois nada de bom têm para lhe dizer. No
firmamento tudo está desenhado, basta saber fazer as corretas ligações, alinhar
os filamentos e intercalá-los na medida exacta para se iniciar a descodificação
dos códigos dessas palavras.
O chão vibra, as paredes do prédio vibram, o ar fica
rarefeito, os sons aumentam em estridência e volume, os odores tornam-se
ácidos. Algo de muito errado está para acontecer, é sempre assim quando as estrelas
resolvem avisá-lo.
O dia começou tudo menos bem para Sofia.
Zé Paulo sentiu-o.
Os olhos das estrelas não mentem, os olhos de Sofia
muito menos.
O dia devia ter começado de outra maneira, mas é
assim que o universo se espreguiça, é mesmo assim que tudo acontece.
Zé Paulo calça as velhas botas castanhas e obedece
ao seu instinto. Sai porta fora com a firme intenção de encontrar-se com Sofia.
É que a leitura feita ao firmamento durante a madrugada deu-lhe motivos de
preocupação. Ele viu o momento em que o carro da vizinha seguia pela estrada
secundária a alta velocidade, até ao instante em que uma lomba o fez voar.
Sofia perdeu o controlo ao aterrar na via e largou as mãos do volante. A
viatura começou aos esses e despistou-se, com violência, do outro lado da
estrada. Ela foi projectada pelo vidro da frente.
Zé Paulo amparou-a com delicadeza enquanto ela
voava, e colocou-a junto aos juncais que adornavam a berma da estrada. Antes de
desaparecer, fez questão de lhe dizer que foi ele quem lhe desapertou o cinto
de segurança para que ela não ficasse esmagada entre o volante e o banco do condutor.
Foi isto que ele decifrou de madrugada ao
interpretar as mensagens nas estrelas que ele tanto gosta de observar.
A televisão ficou ligada no canal de notícias
preferido onde a jornalista vai dando informações acerca do atentado acabado de
acontecer: - É um aparato policial sem precedentes. Segundo algumas testemunhas,
o estrondo fez abanar os prédios em todo o bairro. A polícia recebeu vários
telefonemas anónimos com ameaças de outros possíveis atentados. Neste momento o
corpo de intervenção da PSP e a brigada de minas e armadilhas procedem a buscas
no aeroporto da Portela que foi mandado evacuar. A todo o instante aguardamos
uma ligação em directo ao local do atentado para onde já seguiu a nossa equipa
de reportagem…
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