O cão está irrequieto e não para de correr
de um lado para o outro. O estrondo provocado pela explosão fez o prédio
estremecer. O Einstein ficou ainda mais nervoso, como se isso fosse possível.
Dona Fátima está desorientada. Uma coisa
assim só tinha visto nos telejornais quando dão notícias daqueles países onde
os atentados são o pão nosso de cada dia.
O telefona toca. É a doutora Madalena a
perguntar se tudo está bem. Acabou de ver as imagens na televisão da sala de
atendimento do hospital, e quis saber como estavam as coisas lá por casa. A
Fátima responde, explica que não houve danos nem vidros partidos. Os
noticiários dão conta dos prédios vizinhos com as vidraças estilhaçadas e há também
muitas viaturas danificadas.
- Não se preocupe, minha senhora, está
tudo bem. A doutora nem imagina o susto que apanhei. O prédio abanou todo e o
cãozinho anda por aqui a correr às voltas. Tínhamos acabado de vir para cima
quando se deu a explosão, e já estou farta de me benzer. Olhe que foi coisa de
minutos, se eu me tivesse atrasado mais um bocado…- desabafa a empregada, sem
conseguir terminar a frase. Os soluços e as lágrimas tomaram conta da mulher
quando esta se apercebe, mais uma vez, que podia ter sido vitimada pela
explosão.
- Fátima, então! Acalme-se, vá lá, afinal não
aconteceu nada. Faça um chazinho e esqueça as limpezas por hoje. Arrume só
aquilo que conseguir e deixe o resto para depois. Eu já lhe volto a ligar para
dizer como vai ser mais logo com os miúdos. O mais certo é ser eu ou o doutor
Rogério a ir buscá-los ao colégio. Fique tranquila Se o Einstein continuar
assim irrequieto, leve-o outra vez à rua. Dê um passeio com ele, pode ser que
ajude.
- Credo, minha senhora! É que nem pensar!
Não saio à rua de jeito nenhum. Disseram nas notícias que estão mais bombas por
rebentar, e que este pode ter sido só o primeiro de muitos rebentamentos. A
doutora não se lembra do que se passou em Londres e em Madrid? Vou ficar por
aqui até que os senhores regressem.
Jorge decidiu transformar este dia numa data
memorável. O rosto do homem da ponte persegue-o como um fantasma, mas não o
assusta. Ele quer resolver o mistério. O rapazito agarrou-se a este pretexto
para conseguir transformar um sonho em realidade. Sempre desejou andar a pé
naquela estrutura gigante que embeleza a paisagem da cidade e está radiante por
ter preferido continuar a sua caminhada até lá acima.
Puta do demónio, foi o nome que o povo da
aldeia escolheu para batizar Alzira. A mulher nasceu para atormentar a cabeça
dos homens. Podia lá ser! Maldita! Nem os padres escapavam à sua má influência.
A mãe também tinha ganho uma fama parecida. Lá na “terra” quase todos lhes
conheciam as pernas e os atos. - Está feito, feito está! – cantava Etelvina.
Depois corria como uma desalmada para marcar mais uma cruz na parede xistosa da
loja do porco. Os sinais indicavam as vezes que os rapazes e os homens se
aventuravam com ela pelos campos e vales suspirando de prazer. Eram muitos os
pais que lhe lançavam os filhos na esperança de ela deles fazer uns homens.
Mais valia ser assim do que levá-los à vila para os entregar às mulheres da
vida que por lá passavam, de quando em vez. Era uma vadia, uma puta do demónio.
Tal mãe, tal filha. A Isilda herdou-lhe muitos dotes. O raio da rapariga tinha
mesmo a quem sair.
As duas desapareceram da aldeia, um dia,
sem deixar rasto. Ficaram as saudades dos homens.
Augusto não entende porque diabo se foi
recordar desta história durante a viagem de Paris até Lisboa, logo ele que tem tantas
coisas com que se preocupar. E agora esta tremenda barafunda que parece ter
tomado conta da cidade. Um atentado à bomba, polícias, ambulâncias e viaturas
dos bombeiros tornam a circulação na segunda circular um inferno ainda maior do
que o habitual.
- Estás a ver, Filipa! Está tudo parado!
Tinha sido melhor teres seguido pela ponte Vasco da Gama como eu te disse.
A Etelvina era uma mulher lindíssima, e
isso sempre colocou em perigo os relacionamentos na aldeia, para além das
invejas das mulheres. Era completamente louca, e tão excessiva quanto formosa.
Uma alma daquelas num lugar tão pequeno e remoto tinha tudo para acabar em
desgraça. E como era fogosa, o raio da mulher.
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