sexta-feira, 21 de junho de 2013

O IMPÉRIO DO SILÊNCIO


Deixou de chover. O dia ficou bonito.
O Tejo reflete a luz do sol junto ao Bugio.
Helen, sempre que pode, refugia-se no silêncio, mas ultimamente não lhe tem sido fácil encontrar espaços para o sentir.
Onde o silêncio habita, moram as melodias que a pianista necessita para o seu trabalho. Olha para as árvores e os arbustos que bailam ao sabor do vento, sem nada escutar. Isso permite-lhe decifrar as notas que ali se escondem. Olha para o mar, tentando abarcar a verdadeira dimensão do oceano e do silêncio que impera nas suas águas profundas. As melodias são escravas desse amo invisível, que as mantém cativas e lhe obedecem, até que alguém as vá resgatar.
A irlandesa tem passeado pelo império do silêncio.
Os rostos de todas as pessoas, os gestos e os seus pensamentos, ficam congelados enquanto ela se aventura por esse domínio infinito. Um telhado imaculado, de cor tradicional, cobre o palácio do reino. Um céu azul, sem nuvens, silencioso como só um céu azul sem nuvens pode ser, é a cúpula do domínio onde o silêncio impera.
O Bugio brilha naquele lugar mágico onde o Tejo peregrino faz crescer o Atlântico.
Helen gosta dos vendavais do Guincho que fazem mossa nas pernas e nas faces mais desprevenidas. Gosta da paisagem ímpar, do frenesim das ondas, dos silêncios arquivados nas areias, nas rochas, e gosta dos silêncios que se espreguiçam pela serra avassaladora.
É bem mais fácil viajar se tudo se encontrar no mais profundo dos silêncios.
Helen refugia-se, sempre que pode, no sossego do seu quarto, sabendo que alguns ruídos lhe vão alterar a pureza desse instante. Há portas que batem, passos de gente que sobe e discute, gente que vive, objetos que caem, soalhos que rangem, chaves que rodam, crianças que riem e cantam e aplaudem, mais portas que batem, fósforos que se acendem, fogos que crepitam, campainhas que tocam, janelas e frestas por onde o vento assobia.

Era no quarto que a pianista tentava encontrar inspiração, um quarto sem luz, um quarto que lhe permitia viajar até ao reino do silêncio onde, às vezes, encontrava as notas musicais para os seus poemas. Era assim até ter descoberto o Guincho, esse lugar improvável onde o reino do silêncio se foi esconder. A irlandesa não consegue explicar o que sentiu quando ali passeou pela primeira vez. Foi como se sempre por ali tivesse andado, tão familiar era a paisagem, os sons, as cores, os perfumes e as vibrações. Ao chegar a casa nessa noite, despiu-se, sentou-se ao piano, e durante sete horas seguidas não parou de tocar. Estava possuída, nunca se sentira tão viva. Após o concerto, colocou-se junto à janela da sala onde permaneceu, como um manequim, mais uma hora, a recordar as notas tocadas ao piano naquela ímpar madrugada.

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